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A história da loucura na idade clássica

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ambígua que o sagrado acaba de abando<strong>na</strong>r à própria sorte, mas que<br />

ain<strong>da</strong> não foi ocupa<strong>da</strong> pelos conceitos médicos e pelas formas <strong>da</strong><br />

análise positivista, região um pouco indiferença<strong>da</strong> onde imperam a<br />

impie<strong>da</strong>de, a irreligião, a desordem <strong>na</strong> razão e no coração. Nem a<br />

profa<strong>na</strong>ção, nem o patológico, mas entre suas fronteiras, domínio<br />

cujas significações, mesmo sendo reversíveis, se vêem sempre<br />

coloca<strong>da</strong>s sob o império de uma conde<strong>na</strong>ção ética. Esse domínio que,<br />

a meio caminho entre o sagrado e o mórbido, é inteiramente<br />

domi<strong>na</strong>do por uma recusa ética fun<strong>da</strong>mental, é o <strong>da</strong> insani<strong>da</strong>de<br />

<strong>clássica</strong>. Ela abrange assim não ape<strong>na</strong>s to<strong>da</strong>s as formas excluí<strong>da</strong>s <strong>da</strong><br />

sexuali<strong>da</strong>de como também to<strong>da</strong>s essas violências contra o sagrado<br />

que perderam a significação rigorosa <strong>da</strong>s profa<strong>na</strong>ções; ela desig<strong>na</strong><br />

portanto, ao mesmo tempo, um novo sistema de opções <strong>na</strong> moral<br />

sexual e novos limites nos interditos religiosos.<br />

Esta evolução no regime <strong>da</strong>s blasfêmias e <strong>da</strong>s profa<strong>na</strong>ções<br />

poderia ser observa<strong>da</strong> igualmente em relação ao suicídio, que<br />

durante muito tempo pertenceu à esfera do crime e do sacrilégio 41 ;<br />

por essa razão, o suicídio fracassado devia ser punido com a morte:<br />

Aquele que empregou mãos violentas sobre si próprio e tentou matar-se não<br />

deve evitar a morte violenta que pretendeu <strong>da</strong>r-se 42 .<br />

A orde<strong>na</strong>nça de 1670 retoma a maior parte dessas disposições,<br />

assimilando "o homicídio de si mesmo" a tudo o que pode ser<br />

considerado "crime de lesa-majestade huma<strong>na</strong> ou divi<strong>na</strong>" 43 . Mas<br />

aqui, como <strong>na</strong>s profa<strong>na</strong>ções e nos crimes sexuais, o próprio rigor <strong>da</strong><br />

orde<strong>na</strong>nça parece autorizar to<strong>da</strong> uma prática extrajudiciária <strong>na</strong> qual o<br />

suicídio não mais tem valor de profa<strong>na</strong>ção. Nos registros <strong>da</strong>s casas de<br />

inter<strong>na</strong>mento, freqüentemente se encontra a menção: "Quis<br />

desfazer-se", sem que seja mencio<strong>na</strong>do o estado de doença ou de<br />

furor que a legislação sempre considerou como desculpa 44 . Em si<br />

mesma, a tentativa de suicídio indica uma desordem <strong>da</strong> alma, que é<br />

preciso reduzir através <strong>da</strong> coação. Não mais se conde<strong>na</strong> aqueles que<br />

41 Nos costumes <strong>da</strong> Bretanha: «Se alguém se matar por vontade própria, deve ser<br />

pendurado pelos pés e arrastado como se fosse um assassino».<br />

42 BRUN DE LA ROCHETTE, Les Procés civil: et crimineis, Rouen, 1663. Cf.<br />

LOCARD, La Médecine judiciaire en France au XVIIe siécle, pp. 262-266.<br />

43 Orde<strong>na</strong>nça de 1670. Título XXII, art. I.<br />

44 «.. a menos que tenha executado seu intento e realizado sua vontade por<br />

impaciência com sua dor, doença violenta, desespero ou súbito furor». BRUN<br />

DE LA ROCHETTE, loc. cit.<br />

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