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A história da loucura na idade clássica

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ver<strong>da</strong>de que a Imagem ain<strong>da</strong> tem a vocação de dizer, de transmitir<br />

algo de consubstancial à linguagem, é necessário reconhecer que ela<br />

já não diz mais a mesma coisa; e que, através de seus valores<br />

plásticos próprios, a pintura mergulha numa experiência que se<br />

afastará ca<strong>da</strong> vez mais <strong>da</strong> linguagem, qualquer que possa ser a<br />

identi<strong>da</strong>de superficial do tema. Figura e palavra ilustram ain<strong>da</strong> a<br />

mesma fábula <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> no mesmo mundo moral; mas logo tomam<br />

duas direções diferentes, indicando, numa brecha ain<strong>da</strong> ape<strong>na</strong>s<br />

perceptível, aquela que será a grande linha divisória <strong>na</strong> experiência<br />

ocidental <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>.<br />

A ascensão <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> ao horizonte <strong>da</strong> Re<strong>na</strong>scença é percebi<strong>da</strong>,<br />

de início, através <strong>da</strong> ruí<strong>na</strong> do simbolismo gótico: como se este<br />

mundo, onde a rede de significações espirituais era tão aperta<strong>da</strong>,<br />

começasse a se embaralhar, deixando aparecer figuras cujo sentido<br />

só se deixa apreender sob as espécies do insano. As formas góticas<br />

subsistem ain<strong>da</strong> durante algum tempo mas, aos poucos, tor<strong>na</strong>m-se<br />

silenciosas, deixam de falar, de lembrar e de ensi<strong>na</strong>r, e <strong>na</strong><strong>da</strong><br />

manifestam (fora de to<strong>da</strong> linguagem possível, mas no entanto <strong>na</strong><br />

familiari<strong>da</strong>de do olhar) além de sua presença fantástica. Libera<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

sabedoria e <strong>da</strong> lição que a orde<strong>na</strong>vam, a imagem começa a gravitar<br />

ao redor de sua própria <strong>loucura</strong>.<br />

Paradoxalmente, esta libertação provém de uma abundância de<br />

significações, de uma multiplicação do sentido por ele mesmo, que<br />

tece entre as coisas relações tão numerosas, tão cruza<strong>da</strong>s, tão ricas<br />

que elas só podem ser decifra<strong>da</strong>s no esoterismo do saber, e que as<br />

coisas, por sua vez, se vêem sobrecarrega<strong>da</strong>s de atributos, de<br />

índices, de alusões onde acabam por perder sua própria figura. O<br />

sentido não mais é lido numa percepção imediata, a figura deixa de<br />

falar por si mesma; entre o saber que a anima e a forma para a qual<br />

se transpõe, estabelece-se um vazio. Ela está livre para o onirismo.<br />

Um livro é testemunha dessa proliferação de sentidos ao fi<strong>na</strong>l do<br />

mundo gótico: o Speculum huma<strong>na</strong>e salvationis 59 , que além de to<strong>da</strong>s<br />

as correspondências estabeleci<strong>da</strong>s pela tradição dos padres valoriza,<br />

entre o Antigo e o Novo Testamento, todo um simbolismo que releva<br />

não a ordem <strong>da</strong> Profecia, mas sim a equivalência imaginária. A Paixão<br />

de Cristo não é prefigura<strong>da</strong> ape<strong>na</strong>s pelo sacrifício de Abraão: ela<br />

convoca ao seu redor todos os prestígios do suplício e seus' inúmeros<br />

sonhos; Tubal, o ferreiro, e a ro<strong>da</strong> de Isaías tomam seu lugar ao<br />

redor <strong>da</strong> cruz, formando (fora de to<strong>da</strong>s as lições do sacrifício) o<br />

59 Cf. ÉMILE MALE, loc. cit.; pp. 234-237.<br />

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