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A história da loucura na idade clássica

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mais se afasta de casa e do ambiente imediato, mais os cui<strong>da</strong>dos são<br />

materialmente difíceis de assegurar); o outro é positivo e<br />

determi<strong>na</strong>do pela vivaci<strong>da</strong>de do sentimento inspirado pelo doente;<br />

mas este decresce rapi<strong>da</strong>mente, à medi<strong>da</strong> que se afasta do domínio<br />

dos apegos <strong>na</strong>turais circunscritos pela família. Passado um certo<br />

limite, determi<strong>na</strong>do tanto pelo espaço como pela imagi<strong>na</strong>ção e pela<br />

vivaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s incli<strong>na</strong>ções — limite que cerca de uma maneira mais<br />

ou menos ampla a casa própria —, ape<strong>na</strong>s as forças negativas<br />

entram em ação. E a assistência não pode mais ser solicita<strong>da</strong>:<br />

É isto o que faz com que a aju<strong>da</strong> <strong>da</strong> família, uni<strong>da</strong> pelo amor e pela amizade,<br />

sejam sempre os primeiros, os mais atenciosos, os mais enérgicos... Mas...<br />

quanto mais de longe vêm os socorros, menos valem, e mais pesados<br />

parecem aos que os dispensam.<br />

O espaço social no qual se situa a doença se vê assim<br />

inteiramente renovado. Da I<strong>da</strong>de Média ao fi<strong>na</strong>l <strong>da</strong> era <strong>clássica</strong>, ele<br />

havia permanecido homogêneo. Todo homem caído <strong>na</strong> miséria e <strong>na</strong><br />

doença tinha direito à pie<strong>da</strong>de dos outros e a seus cui<strong>da</strong>dos. Estava<br />

universalmente próximo de ca<strong>da</strong> um deles, a todo instante podia<br />

apresentar-se a todos. E quanto de mais distante viesse, quanto mais<br />

desconhecido fosse seu rosto, mais acentuados eram os símbolos de<br />

universali<strong>da</strong>de por ele trazidos; era então o Miserável, o Doente por<br />

excelência, ocultando em seu anonimato os poderes <strong>da</strong> glorificação.<br />

Pelo contrário, o século XVIII fragmenta esse espaço, fazendo surgir<br />

nele um mundo de figuras limita<strong>da</strong>s. O doente se vê situado em<br />

uni<strong>da</strong>des descontínuas: zo<strong>na</strong>s ativas de vivaci<strong>da</strong>de psicológica, zo<strong>na</strong>s<br />

i<strong>na</strong>tivas e neutras de distanciamento e inércia do coração. O espaço<br />

social <strong>da</strong> doença é fragmentado segundo uma espécie de economia<br />

<strong>da</strong> devoção, de modo que o doente não mais pode dizer respeito a<br />

todo homem, porém ape<strong>na</strong>s aos que pertencem ao mesmo ambiente<br />

que ele: vizinhança <strong>na</strong> imagi<strong>na</strong>ção, proximi<strong>da</strong>de nos sentimentos. O<br />

espaço social <strong>da</strong> filantropia não se opõe somente ao <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de,<br />

como um mundo laico a um mundo cristão — mas como uma<br />

estrutura de continui<strong>da</strong>de moral e afetiva que distribui as doenças<br />

segundo domínios separados pertencentes a um campo homogêneo,<br />

onde ca<strong>da</strong> miséria se dirige a ca<strong>da</strong> homem segundo a eventuali<strong>da</strong>de<br />

sempre ocasio<strong>na</strong>l, mas sempre significativa, de sua passagem.<br />

No entanto, o século XVIII não vê nisso um limite. Pelo<br />

contrário, pensa-se em <strong>da</strong>r à assistência mais vivaci<strong>da</strong>de <strong>na</strong>tural e<br />

também bases econômicas mais justas. Se, em vez de construir<br />

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