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A história da loucura na idade clássica

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conseguir", esse caminho não é <strong>na</strong><strong>da</strong> mais que "o conhecimento dos<br />

fatos". Se é "histórico", não é porque procura estabelecer, a partir de<br />

suas causas mais antigas, o devir, a cronologia e a duração <strong>da</strong>s<br />

doenças; num sentido mais etimológico, ele procura ver, ver bem de<br />

perto e em detalhes, procura reconstituir a doença com a exatidão de<br />

um retrato. Ela seria um modelo tanto melhor quanto mais se<br />

procedesse como<br />

os pintores que, quando fazem um retrato, têm o cui<strong>da</strong>do de marcar até<br />

os si<strong>na</strong>is e as menores coisas <strong>na</strong>turais que se encontram no rosto <strong>da</strong><br />

pessoa que estão pintando 28 .<br />

Todo um mundo patológico é organizado conforme as novas<br />

normas. Mas <strong>na</strong><strong>da</strong> nele parece dever abrir espaço a esta percepção<br />

do louco tal como a a<strong>na</strong>lisamos há pouco: percepção inteiramente<br />

negativa, que sempre mantinha em estado de não-explícita a ver<strong>da</strong>de<br />

manifesta e discursiva <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. Como poderia a <strong>loucura</strong> ocupar<br />

lugar nesse mundo <strong>da</strong>s doenças cuja ver<strong>da</strong>de se enuncia por si<br />

mesma nos fenômenos observáveis, enquanto no mundo concreto ela<br />

só se oferece sob seu perfil mais aguçado, o menos suscetível de ser<br />

apreendido, isto é, a presença instantânea de um louco, tanto mais<br />

percebido como louco <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que menos deixa transparecer a<br />

ver<strong>da</strong>de aberta <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>?<br />

Há mais ain<strong>da</strong>. A grande preocupação dos classificadores no<br />

século XVIII é anima<strong>da</strong> por uma constante metáfora que tem a<br />

amplitude e a obsti<strong>na</strong>ção de um mito: a transferência <strong>da</strong>s desordens<br />

<strong>da</strong> doença para a ordem <strong>da</strong> vegetação. Já dizia Sydenham que é<br />

preciso<br />

reduzir to<strong>da</strong>s as doenças a espécies precisas com o mesmo cui<strong>da</strong>do e a<br />

mesma exatidão com que os botânicos procederam no Tratado sobre as<br />

plantas 29 .<br />

E Gaubius recomen<strong>da</strong>va que se pusesse<br />

o imenso número <strong>da</strong>s doenças huma<strong>na</strong>s, a exemplo do que fazem os<br />

escritores <strong>da</strong> <strong>história</strong> <strong>na</strong>tural, numa ordem sistemática... apresentando as<br />

classes, gêneros e espécies, ca<strong>da</strong> um com suas características<br />

particulares, constantes e distintas 30 .<br />

28 SAUVAGES, foc. cit., I, p. 91-92. Cf. também A. PITCAIRN, The Whole Works<br />

(done from the latin origi<strong>na</strong>f by G. SEWEL e Í. T. DESAGULIERS. 2.e ed.,<br />

1777, pp. 9-10).<br />

29 SYDENHAM, Médecine pratique, trad. Jault, Prefácio, p. 121.<br />

30 GAUBIUS, Institutiones pathologiae medici<strong>na</strong>les, citado por Sauvages, loc. cit.<br />

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