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A história da loucura na idade clássica

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menos doenças de to<strong>da</strong> espécie; a outra é que as causas que de modo<br />

particular produzem as doenças dos nervos multiplicaram-se numa proporção<br />

maior, a partir de certa época, do que as causas gerais de doença, algumas<br />

<strong>da</strong>s quais parecem que estão mesmo diminuindo... Não receio dizer que se<br />

antes eram as mais raras, hoje são as mais freqüentes 18 .<br />

E logo se reencontrará essa consciência, que o século XVI havia<br />

sentido de maneira tão acentua<strong>da</strong>, <strong>da</strong> precarie<strong>da</strong>de de uma razão que<br />

a todo momento pode ser comprometi<strong>da</strong>, e de modo definitivo, pela<br />

<strong>loucura</strong>. Matthey, médico de Genebra, influenciado por Rousseau,<br />

formula este presságio a to<strong>da</strong>s as pessoas de razão:<br />

século.<br />

Não se vangloriem, homens policiados e sábios; basta um instante para<br />

perturbar e aniquilar essa pretensa sabedoria de que se envaidecem; um<br />

acontecimento inesperado, uma emoção viva e repenti<strong>na</strong> <strong>da</strong> alma<br />

transformam de repente em furioso ou em idiota o homem mais razoável e de<br />

mais espírito 19 .<br />

A ameaça <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> retoma seu lugar entre as urgências do<br />

No entanto, esta consciência tem um estilo bem particular. O<br />

espanto causado pelo desatino é muito afetivo, e considerado quase<br />

em sua totali<strong>da</strong>de no movimento <strong>da</strong>s ressurreições imaginárias. O<br />

medo <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> é muito mais livre em relação a essa herança, e<br />

enquanto o retorno do desatino assume o aspecto de uma repetição<br />

maciça, que reata consigo mesma para além do tempo, a consciência<br />

<strong>da</strong> <strong>loucura</strong> se faz acompanhar, pelo contrário, por uma certa análise<br />

<strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, que desde logo a situa numa moldura temporal,<br />

histórica e social. Na dispari<strong>da</strong>de entre consciência do desatino e<br />

consciência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> tem-se, neste fim do século XVIII, o ponto de<br />

parti<strong>da</strong> de um movimento decisivo: aquele através do qual a<br />

experiência do desatino não deixará, com Hölderlin, Nerval e<br />

Nietzsche, de subir ca<strong>da</strong> vez mais <strong>na</strong> direção <strong>da</strong>s raízes do tempo —<br />

com o desatino tor<strong>na</strong>ndo-se assim o contratempo do mundo — e o<br />

conhecimento <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> procurando pelo contrário situá-la de modo<br />

ca<strong>da</strong> vez mais exato no sentido do desenvolvimento <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza e <strong>da</strong><br />

<strong>história</strong>. É a partir dessa <strong>da</strong>ta que o tempo do desatino e o <strong>da</strong> <strong>loucura</strong><br />

se verão afetados por dois vetores opostos: um, uma volta<br />

incondicio<strong>na</strong>l e um mergulho absoluto; o outro, pelo contrário,<br />

18 TISSOT, Traité des maladies des fleris, Prefácio, I, pp. III-IV.<br />

19 MATTHEY, Nouvelles recherches sur les maladies de l'esprit, Paris, 1816, Parte I,<br />

p. 65.<br />

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