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A história da loucura na idade clássica

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sua <strong>loucura</strong>. A partir <strong>da</strong>í, a <strong>loucura</strong> não mais indica um certo<br />

relacio<strong>na</strong>mento do homem com a ver<strong>da</strong>de — relacio<strong>na</strong>mento que,<br />

pelo menos silenciosamente, implica sempre a liber<strong>da</strong>de; ela indica<br />

ape<strong>na</strong>s um relacio<strong>na</strong>mento do homem com sua ver<strong>da</strong>de. Na <strong>loucura</strong>,<br />

o homem cai em. sua ver<strong>da</strong>de: o que é uma maneira de sê-la<br />

inteiramente, mas também de perdê-la. A <strong>loucura</strong> não mais falará do<br />

não-ser, mas do ser do homem, no conteúdo <strong>da</strong>quilo que ele é e no<br />

esquecimento desse conteúdo. E enquanto ele era outrora o Estranho<br />

em relação ao Ser — homem do <strong>na</strong><strong>da</strong>, <strong>da</strong> ilusão, Fatuus (vazio do<br />

não-ser e manifestação paradoxal desse vazio) —, ei-lo agora retido<br />

em sua própria ver<strong>da</strong>de e, por isso mesmo, afastado dela. Estranho<br />

em relação a si mesmo, Alie<strong>na</strong>do.<br />

A <strong>loucura</strong> sustenta agora uma linguagem antropoló- gica visando<br />

simultaneamente, e num equívoco donde ela retira, para o mundo<br />

moderno, seus poderes de inquietação, à ver<strong>da</strong>de do homem e à<br />

per<strong>da</strong> dessa ver<strong>da</strong>de e, por conseguinte, à ver<strong>da</strong>de dessa ver<strong>da</strong>de.<br />

Linguagem dura: rica em suas promessas e irônica em sua<br />

redução. Linguagem <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> pela primeira vez reencontra<strong>da</strong><br />

depois <strong>da</strong> Re<strong>na</strong>scença.<br />

Ouçamos suas primeiras palavras.<br />

A <strong>loucura</strong> <strong>clássica</strong> pertencia às regiões do silêncio. Há muito<br />

tempo se havia calado essa linguagem de si mesma sobre si mesma<br />

que entoava seu elogio. São sem dúvi<strong>da</strong> inúmeros os textos dos<br />

séculos XVII e XVIII onde se abor<strong>da</strong> a <strong>loucura</strong>: mas neles ela é cita<strong>da</strong><br />

como exemplo, a título de espécie médica ou porque ela ilustra a<br />

ver<strong>da</strong>de abafa<strong>da</strong> do erro; é considera<strong>da</strong> obliquamente, em sua<br />

dimensão negativa, porque é uma prova a contrario <strong>da</strong>quilo que é,<br />

em sua <strong>na</strong>tureza positiva, a razão. Seu sentido só pode aparecer<br />

diante do médico e do filósofo, isto é, <strong>da</strong>queles que são capazes de<br />

conhecer sua <strong>na</strong>tureza profun<strong>da</strong>, dominá-la em seu não-ser e de<br />

ultrapassá-la <strong>na</strong> direção <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de. Em si mesma, é coisa mu<strong>da</strong>:<br />

não existe, <strong>na</strong> era <strong>clássica</strong> <strong>da</strong> literatura <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, no sentido em<br />

que não há para a <strong>loucura</strong> uma linguagem autônoma, uma<br />

possibili<strong>da</strong>de de que ela pudesse manter uma linguagem que fosse<br />

ver<strong>da</strong>deira. Reconhecia-se a linguagem secreta do delírio; faziam-se,<br />

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