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A história da loucura na idade clássica

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exagerado, leveza excessiva, matéria deficiente ou demasiado<br />

abun<strong>da</strong>nte: to<strong>da</strong>s as possibili<strong>da</strong>des de metamorfoses patológicas são<br />

convoca<strong>da</strong>s ao redor do fenômeno <strong>da</strong> demência a fim de fornecer,<br />

para esta, explicações virtuais. A demência não organiza suas causas,<br />

ela não as localiza, não especifica suas quali<strong>da</strong>des segundo a figura<br />

de seus sintomas. Ela é o efeito universal de to<strong>da</strong> alteração possível.<br />

De certo modo, a demência é a <strong>loucura</strong> menos todos os sintomas<br />

particulares a uma forma <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>: uma espécie de <strong>loucura</strong> em<br />

filigra<strong>na</strong> <strong>da</strong> qual transparece pura e simplesmente aquilo que a<br />

<strong>loucura</strong> é <strong>na</strong> pureza de sua essência, em sua ver<strong>da</strong>de geral. A<br />

demência é tudo o que pode haver de desati<strong>na</strong>do <strong>na</strong> sábia mecânica<br />

do cérebro, <strong>da</strong>s fibras e dos espíritos.<br />

Mas, num tal nível de abstração, o conceito médico não se<br />

elabora: está demasiado distante de seu objeto, articula-se em<br />

dicotomias puramente lógicas, desliza <strong>na</strong> direção de virtuali<strong>da</strong>des,<br />

não trabalha de modo efetivo. A demência, enquanto experiência<br />

médica, não se cristaliza.<br />

Por volta <strong>da</strong> metade do século XVIII, o conceito de demência<br />

continua negativo. Da medici<strong>na</strong> de Willis à fisiologia dos sólidos, o<br />

mundo orgânico mudou de aspecto. No entanto, a análise continua a<br />

ser do mesmo tipo; trata-se ape<strong>na</strong>s de delimitar <strong>na</strong> demência to<strong>da</strong>s<br />

as formas de "desatino" que o sistema nervoso pode manifestar. No<br />

começo do verbete "Demência" <strong>da</strong> Encyclopédie, Aumont explica que<br />

a razão considera<strong>da</strong> em sua existência <strong>na</strong>tural consiste <strong>na</strong><br />

transformação <strong>da</strong>s impressões sensíveis; comunica<strong>da</strong>s pelas fibras,<br />

chegam ao cérebro que as transforma em noções, através dos<br />

trajetos interiores dos espíritos. Passa a haver desatino, ou melhor,<br />

<strong>loucura</strong>, a partir do momento em que essas transformações não mais<br />

se fazem segundo os caminhos habituais, tor<strong>na</strong>ndo-se exagera<strong>da</strong>s,<br />

deprava<strong>da</strong>s ou mesmo aboli<strong>da</strong>s. A abolição é a <strong>loucura</strong> em estado<br />

puro, a <strong>loucura</strong> em seu paroxismo, como se tivesse atingido o ponto<br />

mais intenso <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de: é a demência. Como se produz a demência?<br />

Por que todo esse trabalho de transformação <strong>da</strong>s impressões se vê de<br />

repente abolido? Como Willis, Aumont convoca ao redor do desatino<br />

to<strong>da</strong>s as perturbações eventuais do gênero nervoso. Há as<br />

perturbações provoca<strong>da</strong>s pelas intoxicações do sistema: o ópio, a<br />

cicuta, a mandrágora. Bonet, em seu Sepulchretum, havia relatado o<br />

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