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A história da loucura na idade clássica

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tor<strong>na</strong>r-se espírito animal", e por conseguinte que<br />

a saúde do espírito no que ela tem de material depende <strong>da</strong> regulari<strong>da</strong>de, <strong>da</strong><br />

igual<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de do curso dos espíritos nesses pequenos ca<strong>na</strong>is —,<br />

Fontenelle recusa reconhecer o que pode haver de imediatamente<br />

perceptível e de decisivo num critério tão simples que permitiria de<br />

imediato a divisão entre loucos e não-loucos; se o a<strong>na</strong>tomista tem<br />

razão ao ligar a <strong>loucura</strong> a essa perturbação dos "pequenos vasos<br />

muito finos", isso não importa, tal perturbação se encontra em todo<br />

mundo: "Não existe cabeça tão sadia <strong>na</strong> qual não exista um pequeno<br />

tubo do centro oval bem entupido" 5 . É ver<strong>da</strong>de que os dementes, os<br />

loucos furiosos, os maníacos ou os violentos podem ser logo<br />

reconhecidos: não porém porque sejam loucos e <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que o<br />

são, mas ape<strong>na</strong>s porque seu delírio tem um modo particular que<br />

acrescenta à essência imperceptível de to<strong>da</strong> <strong>loucura</strong> os signos que lhe<br />

são próprios: "Os frenéticos são ape<strong>na</strong>s loucos de outro gênero" 6 .<br />

Mas aquém dessas diferenciações, a essência geral <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> não<br />

tem uma forma assi<strong>na</strong>lável; o louco, em geral, não é portador de um<br />

signo; mistura-se com os outros e está presente em ca<strong>da</strong> um deles,<br />

não para um diálogo ou um conflito com a razão, mas para servi-la<br />

obscuramente através de meios inconfessáveis. Ancilla rationis.<br />

Médico e <strong>na</strong>turalista, Boissier de Sauvages, no entanto, bem depois<br />

ain<strong>da</strong> reconhecerá que a <strong>loucura</strong> "não incide diretamente sobre os<br />

sentidos" 7 .<br />

Apesar <strong>da</strong>s semelhanças aparentes no uso do ceticismo, nunca o<br />

modo de presença <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> foi mais diferente, nesse começo do<br />

século XVIII, do que pôde ter sido no decorrer <strong>da</strong> Re<strong>na</strong>scença.<br />

Através de inúmeros signos, ela manifestava outrora sua presença<br />

ameaçando a razão com uma contradição imediata; e o sentido <strong>da</strong>s<br />

5 Histoire de l'Académie des sciences. Ano 1709, ed. 1733, pp. 11-13, Sur le délire<br />

mélancolique.<br />

6 Dialogues des morts modernes. Diálogo IV, Oeuvres, I, p. 278. Do mesmo modo,<br />

a respeito <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de Fontenelle explica que os loucos não são nem mais<br />

nem menos determi<strong>na</strong>dos que os outros. Se é possível resistir a uma<br />

disposição modera<strong>da</strong> do cérebro, deve ser possível resistir a uma disposição<br />

mais forte: «Deveria ser possível ter muito espírito apesar de uma tendência<br />

medíocre para a estupidez». Ou, ao contrário, se não é possível resistir a uma<br />

disposição violenta, uma disposição fraca é igualmente determi<strong>na</strong>nte (Traité<br />

de la liberté de l'âme, atribuído a Fontenelle <strong>na</strong> edição Depping, III, pp. 611-<br />

612).<br />

7 BOISSIER DE SAUVAGES, Nosologie méthodique, trad. Gouvion, Lyon, 1772,<br />

VII, p. 33.<br />

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