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A história da loucura na idade clássica

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coisas era indefini<strong>da</strong>mente reversível, tão estreita era a trama dessa<br />

dialética. As coisas agora também são reversíveis, mas a <strong>loucura</strong> foi<br />

absorvi<strong>da</strong> numa presença difusa, sem signos manifestos, fora do<br />

mundo sensível e no reino secreto de uma razão universal. Ela é ao<br />

mesmo tempo plenitude e ausência total: habita to<strong>da</strong>s as regiões do<br />

mundo, não deixa livre nenhuma sabedoria nem ordem alguma,<br />

escapando a to<strong>da</strong> apreensão sensível; está presente em to<strong>da</strong> parte,<br />

mas nunca <strong>na</strong>quilo que a faz ser o que é.<br />

No entanto, esse retiro <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, essa separação essencial<br />

entre sua presença e sua manifestação, não significa que ela se<br />

retira, sem nenhuma evidência, para um domínio i<strong>na</strong>cessível onde<br />

sua ver<strong>da</strong>de permaneceria oculta. O fato de não ter nem signo certo<br />

nem presença positiva faz com que se ofereça paradoxalmente numa<br />

imediatici<strong>da</strong>de sem inquietações, totalmente estendi<strong>da</strong> em sua<br />

superfície, sem retorno possível para a dúvi<strong>da</strong>. Mas nesse caso ela<br />

não se oferece como <strong>loucura</strong>; ela se apresenta sob os traços<br />

irrecusáveis do louco:<br />

As pessoas de razão sadia têm tamanha facili<strong>da</strong>de em reconhecê-lo que<br />

mesmo os pastores sabem quais de suas ovelhas foram atingi<strong>da</strong>s por<br />

semelhantes doenças 8 .<br />

Existe uma certa evidência do louco, uma determi<strong>na</strong>ção imediata<br />

de seus traços que parece correlativa, justamente, à nãodetermi<strong>na</strong>ção<br />

<strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. Quanto menos precisa é, mais facilmente é<br />

reconheci<strong>da</strong>. Na própria medi<strong>da</strong> em que não sabemos onde começa a<br />

<strong>loucura</strong>, sabemos, através de um saber quase incontestável, o que é<br />

o louco. E Voltaire se admira ante o fato de não sabermos como uma<br />

alma racioci<strong>na</strong> em falso, nem como alguma coisa pode ser modifica<strong>da</strong><br />

em sua essência enquanto que, sem hesitar, "é ela leva<strong>da</strong>, no<br />

entanto, com seu estojo, para as Petites-Maisons" 9 .<br />

Como se faz esse reconhecimento tão inquestionável do louco?<br />

Através de uma percepção margi<strong>na</strong>l, um ponto de vista enviesado,<br />

através de uma espécie de raciocínio instantâneo, indireto e ao<br />

mesmo tempo negativo. Boissier de Sauvages tenta explicitar essa<br />

percepção tão certa e no entanto tão confusa:<br />

8 BOISSIER DE SAUVAGES, loc. cit., VII, p. 33.<br />

9 VOLTAIRE, Diction<strong>na</strong>ire philosophique, art. «Loucura», ed. Sen<strong>da</strong>, Paris, 1935, I,<br />

p. 286.<br />

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