15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

evolução. Mas a passagem do primeiro tipo de relacio<strong>na</strong>mento para o<br />

segundo fez-se justamente <strong>na</strong> época <strong>clássica</strong>, quando a animali<strong>da</strong>de<br />

foi percebi<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> como negativi<strong>da</strong>de, porém negativi<strong>da</strong>de <strong>na</strong>tural:<br />

isto é, no momento em que o homem só sentia seu relacio<strong>na</strong>mento<br />

com o animal através do perigo absoluto de uma <strong>loucura</strong> que abole<br />

a <strong>na</strong>tureza do homem numa indiferenciação <strong>na</strong>tural. Esta maneira<br />

de conceber a <strong>loucura</strong> é a prova de que mesmo no século XVIII o<br />

relacio<strong>na</strong>mento <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong> não era nem simples, nem<br />

imediato — e que ele passava pelas formas <strong>da</strong> negativi<strong>da</strong>de mais<br />

rigorosa 42 .<br />

Sem dúvi<strong>da</strong> foi essencial para a cultura ocidental ligar, como ela<br />

fez, sua percepção <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> às formas imaginá rias do<br />

relacio<strong>na</strong>mento entre o homem e o animal. Desde logo, ela não<br />

colocou como evidente que o animal participava <strong>da</strong> plenitude <strong>da</strong><br />

<strong>na</strong>tureza, de sua sabedoria e de sua ordem: esta foi uma idéia<br />

tardia e que durante muito tempo permanecerá à superfície <strong>da</strong><br />

cultura; e talvez ain<strong>da</strong> não tenha penetrado de modo profundo nos<br />

espaços subterrâneos <strong>da</strong> imagi<strong>na</strong>ção. De fato, para aquele que o<br />

observar bem, tor<strong>na</strong>-se claro que o animal pertence antes à<br />

contra<strong>na</strong>tureza, a uma negativi<strong>da</strong>de que ameaça a ordem e põe em<br />

perigo, por seu furor, a sabedoria positiva <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza. A obra de<br />

Lau tréamont é um testemunho disso. O fato de o homem ocidental<br />

ter vivido durante dois mil anos sobre sua definição de animal<br />

racio<strong>na</strong>l — por que razão esse fato deveria significar necessariamente<br />

que ele reconheceu a possibili<strong>da</strong>de de uma ordem comum à razão e à<br />

animali<strong>da</strong>de? Por que teria ele de ter desig<strong>na</strong>do nessa definição a<br />

maneira pela qual se insere <strong>na</strong> positivi<strong>da</strong>de <strong>na</strong>tural? E<br />

independentemente <strong>da</strong>quilo que Aristóteles quis dizer realmente,<br />

não é possível garantir que esse "animal racio<strong>na</strong>l" designou durante<br />

muito tempo, para o mundo ocidental, a maneira .pela qual a<br />

liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> razão se movimentava no espaço de um desatino<br />

desenfreado e destacava-se dele a ponto de formar o termo<br />

contraditório a esse desatino? A partir do momento em que a<br />

filosofia se tornou antropológica e em que o homem quis reconhecerse<br />

numa plenitude <strong>na</strong>tural, o animal perdeu seu poder de<br />

negativi<strong>da</strong>de para constituir, entre o determinismo <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza e a<br />

42 Quem que se der ao trabalho de estu<strong>da</strong>r a noção de <strong>na</strong>tureza em Sade e suas<br />

relações com a filosofia do século XVIII, encontrará um movimento desse<br />

tipo levado a seu grau de pureza mais extremo.<br />

172

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!