15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

havia sido conjurado numa distância irredutível, de repente se tor<strong>na</strong><br />

familiar para a consciência cotidia<strong>na</strong>, uma vez que ela deve ser seu<br />

juiz; e ele se divide agora segundo a superfície de uma psicologia<br />

inteiramente basea<strong>da</strong> <strong>na</strong>s formas menos refleti<strong>da</strong>s e mais imediatas<br />

<strong>da</strong> moral.<br />

Tudo isto assume a forma de instituição <strong>na</strong> grande reforma <strong>da</strong><br />

justiça crimi<strong>na</strong>l. Nela, o júri deve exatamente configurar a instância<br />

<strong>da</strong> consciência pública, seu império ideal sobre tudo aquilo que o<br />

homem pode ter de poderes secretos e desumanos. A regra dos<br />

debates públicos atribui a essa soberania, que os jurados detêm<br />

momentaneamente e por delegação, uma extensão teoricamente<br />

indefini<strong>da</strong>: é o corpo inteiro <strong>da</strong> <strong>na</strong>ção que julga através deles, e que<br />

se encontra em debate com to<strong>da</strong>s as formas de violência, de<br />

profa<strong>na</strong>ção e de desatino, que o inter<strong>na</strong>mento punha de lado. Ora,<br />

através de um movimento paradoxal que, ain<strong>da</strong> em nossos dias, não<br />

atingiu sua ple<strong>na</strong> realização, à medi<strong>da</strong> que a instância que julga<br />

reivindica, para fun<strong>da</strong>mentar sua justiça, maior universali<strong>da</strong>de, à<br />

medi<strong>da</strong> que substitui as regras de jurisprudência particulares pela<br />

norma geral dos direitos e deveres do homem, à medi<strong>da</strong> que seus<br />

julgamentos confirmam sua ver<strong>da</strong>de numa certa consciência pública,<br />

o crime se interioriza e sua significação não pára de tor<strong>na</strong>r-se ca<strong>da</strong><br />

vez mais priva<strong>da</strong>. A crimi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de perde seu sentido absoluto, e a<br />

uni<strong>da</strong>de que possuía, no gesto realizado, <strong>na</strong> ofensa feita; ela se<br />

divide segundo duas medi<strong>da</strong>s, que se tor<strong>na</strong>rão ca<strong>da</strong> vez mais<br />

irredutíveis com o tempo: a que ajusta a falta a uma pe<strong>na</strong> — medi<strong>da</strong><br />

toma<strong>da</strong> de empréstimo às normas <strong>da</strong> consciência pública, às<br />

exigências do escân<strong>da</strong>lo, às regras <strong>da</strong> atitude jurídica que assimila<br />

castigo e manifestação — e a que define a relação <strong>da</strong> falta com suas<br />

origens — medi<strong>da</strong> que é <strong>da</strong> ordem do conhecimento, <strong>da</strong> delimitação<br />

individual e secreta. Dissociação que bastaria para provar, se fosse<br />

necessário, que a psicologia, como conhecimento do indivíduo, deve<br />

ser considera<strong>da</strong> historicamente num relacio<strong>na</strong>mento fun<strong>da</strong>mental<br />

com as formas de julgamento que a consciência pública profere. De<br />

psicologia individual <strong>na</strong><strong>da</strong> houve, a não ser to<strong>da</strong> uma reorganização<br />

do escân<strong>da</strong>lo <strong>na</strong> consciência social. Conhecer o encadeamento <strong>da</strong>s<br />

hereditarie<strong>da</strong>des, do passado e <strong>da</strong>s motivações só se tornou possível<br />

no dia em que a falta e o crime, deixando de ter ape<strong>na</strong>s valores<br />

491

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!