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A história da loucura na idade clássica

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abrangeram todo o campo <strong>da</strong> experiência psiquiátrica <strong>na</strong> primeira<br />

metade do século XIX. E, no entanto, deram início a ele, em ampla<br />

medi<strong>da</strong> 26 .<br />

Sua ampliação não significa ape<strong>na</strong>s uma reorganização do<br />

espaço nosográfico mas, abaixo dos conceitos médicos, a presença e<br />

o trabalho de uma nova estrutura <strong>da</strong> experiência. A forma<br />

institucio<strong>na</strong>l que Pinel e Tuke esboçaram, essa constituição, ao redor<br />

do louco, de um volume asilar onde ele deve reconhecer sua<br />

culpabili<strong>da</strong>de e libertar-se dela, deixar transparecer a ver<strong>da</strong>de de sua<br />

doença e suprimi-la, reatar com sua liber<strong>da</strong>de ao aliená-la no querer<br />

do médico — tudo isto tor<strong>na</strong>-se agora um a priori <strong>da</strong> percepção<br />

médica. Ao longo do século XIX, o louco não será mais conhecido e<br />

reconhecido a não ser sobre um fundo de uma antropologia implícita<br />

que fala <strong>da</strong> mesma culpabili<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> mesma ver<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> mesma<br />

alie<strong>na</strong>ção.<br />

Mas era preciso que o louco situado <strong>na</strong> problemática <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de<br />

do homem levasse consigo o homem ver<strong>da</strong>deiro e o ligasse a seu<br />

novo destino. Se a <strong>loucura</strong> para o mundo moderno tem um sentido<br />

diferente <strong>da</strong>quele que a faz ser noite diante do dia <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de; se, <strong>na</strong><br />

parte mais secreta <strong>da</strong> linguagem que ela tem, o que está em jogo é a<br />

ver<strong>da</strong>de do homem, uma ver<strong>da</strong>de que lhe é anterior, que a constitui<br />

mas que pode suprimi-la, esta ver<strong>da</strong>de só se abre ao homem no<br />

desastre <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, e escapa-lhe desde os primeiros momentos <strong>da</strong><br />

reconciliação. É ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong> noite <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> que a luz é possível, luz<br />

que desaparece quando se apaga a sombra que ela dissipa. O homem<br />

e o louco estão ligados no mundo moderno de um modo mais sólido<br />

talvez do que o tinham estado <strong>na</strong>s poderosas metamorfoses animais<br />

que outrora ilumi<strong>na</strong>vam os moinhos incendiados de Bosch: estão<br />

ligados por esse elo impalpável de uma ver<strong>da</strong>de recíproca e<br />

incompatível; dizem-se, um para o outro, essa ver<strong>da</strong>de de sua<br />

essência que desaparece por ter sido dita de um para outro. Ca<strong>da</strong> luz<br />

é apaga<strong>da</strong> pelo dia que ela fez <strong>na</strong>scer e se vê com isso devolvi<strong>da</strong> a<br />

essa noite que ela rasgava, que no entanto a tinha invocado, e que,<br />

26 A. mania, uma <strong>da</strong>s formas patológicas mais sóli<strong>da</strong>s do século XVIII, perde muito<br />

de sua importância. Pinel contava ain<strong>da</strong> mais de 60% de mulheres maníacas<br />

<strong>na</strong> Salpêtrière entre 1801 e 1805 (624 em 10002); Esquirol, em Charenton,<br />

de 1815 a 1826, conta 545 maníacas em 1557 (35%I; Calmeil, no mesmo<br />

hospital, entre I856 e 1866, observa ape<strong>na</strong>s 25% (624 em 2 524). Na mesma<br />

época, <strong>na</strong> Salpêtrière e em Bicêtre, Marcé diagnostica 779 em 5 481 (14%) e<br />

um pouco mais tarde Achille Foville conta ape<strong>na</strong>s 7% em Charenton.<br />

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