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A história da loucura na idade clássica

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maldoso. As atitudes bizarras desses infelizes, sua condição, provocavam<br />

risos de troça e a pie<strong>da</strong>de insultante dos assistentes 28 .<br />

A <strong>loucura</strong> tor<strong>na</strong>-se puro espetáculo num mundo sobre o qual<br />

Sade estende sua soberania 29 e que se oferece como distração à<br />

consciência tranqüila de uma razão segura de si mesma. Até o começo<br />

do século XIX, e até a indig<strong>na</strong>ção de Royer-Collard, os loucos<br />

continuam a ser monstros — isto é, seres ou coisas que merecem ser<br />

mostrados.<br />

O inter<strong>na</strong>mento oculta o desatino e trai a vergonha que ele<br />

suscita, mas desig<strong>na</strong> explicitamente a <strong>loucura</strong>: aponta-a com o<br />

dedo. Se, em relação ao desatino, o que se propõe acima de tudo é<br />

evitar o escân<strong>da</strong>lo, em relação à <strong>loucura</strong> ela é organiza<strong>da</strong>. Estranha<br />

contradição: a era <strong>clássica</strong> envolve a <strong>loucura</strong> numa experiência global<br />

do desatino; assimila suas formas singulares, bem individualiza<strong>da</strong>s <strong>na</strong><br />

I<strong>da</strong>de Média e <strong>na</strong> Re<strong>na</strong>scença, numa apreensão geral onde ela<br />

constitui vizinhança com to<strong>da</strong>s as formas do desatino. Mas ao<br />

mesmo tempo ela aplica a essa mesma <strong>loucura</strong> um índice<br />

particular: não o <strong>da</strong> doença, mas o do escân<strong>da</strong>lo exaltado. No entanto,<br />

<strong>na</strong><strong>da</strong> de comum existe entre essa manifestação organiza<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>loucura</strong><br />

no século XVIII e a liber<strong>da</strong>de <strong>na</strong> qual ela aparecia à luz do dia<br />

durante a Re<strong>na</strong>scença. Nessa época, ela estava pre sente em to<strong>da</strong><br />

parte e mistura<strong>da</strong> a to<strong>da</strong>s as experiências com suas imagens ou seus<br />

perigos. Durante o período clássico, ela é mostra<strong>da</strong>, mas do lado de<br />

lá <strong>da</strong>s grades; se ela se manifesta, é à distância, sob o olhar de uma<br />

razão que não tem mais nenhum parentesco com ela e que não deve<br />

mais sentir-se comprometi<strong>da</strong> por uma semelhança demasiado marca<strong>da</strong>.<br />

A <strong>loucura</strong> tornou-se algo para ser visto: não mais um monstro no<br />

fundo de si mesmo, mas animal de estranhos mecanismos,<br />

bestiali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> qual o homem, há muito tempo, está abolido.<br />

Posso muito bem conceber um homem sem mãos, pés, cabeça (pois é ape<strong>na</strong>s<br />

a experiência que nos ensi<strong>na</strong> que a cabeça é mais necessária que os pés).<br />

Mas não posso conceber o homem sem pensamentos: seria uma pedra ou<br />

uma besta 30 .<br />

Em seu Rapport sur le service des aliénés, Desportes descreve os<br />

28 ESQUIROL, «Mémoire historique et statistique de la Maison Royale de<br />

Charenton» in Des maladies maniates, II, p. 222.<br />

29 Idem.<br />

30 Pascal, Pendes, ed. Brunschvicg, n. 339.<br />

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