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A história da loucura na idade clássica

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fragmentária <strong>na</strong> criança. Aliás, sem a interdição o louco, mesmo<br />

inter<strong>na</strong>do, <strong>na</strong><strong>da</strong> perde de sua perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de civil, e o Parlamento de<br />

Paris esclareceu que a prova de facto <strong>da</strong> alie<strong>na</strong>ção, que é o<br />

inter<strong>na</strong>mento, em <strong>na</strong><strong>da</strong> mu<strong>da</strong>va a capaci<strong>da</strong>de legal do sujeito 3 .<br />

A alma dos loucos não é louca.<br />

No entanto, para quem filosofa sobre a exatidão <strong>da</strong> medici<strong>na</strong>,<br />

sobre seus fracassos e seus sucessos, a alma não é mais e menos<br />

que essa prisioneira livre? Não é necessário que ela faça parte <strong>da</strong><br />

matéria, se é pela matéria, através dela e por causa dela que a alma<br />

é atingi<strong>da</strong> no livre exercício de suas funções mais essenciais: o<br />

próprio juízo? E se to<strong>da</strong> a tradição dos juristas está certa quando<br />

estabelece a inocência do louco, não é porque sua liber<strong>da</strong>de secreta é<br />

protegi<strong>da</strong> por sua impotência; é que o irresistível poder de seu corpo<br />

atinge sua liber<strong>da</strong>de até o ponto de suprimi-la inteiramente:<br />

Esta pobre alma... não domi<strong>na</strong> seus pensamentos, mas vê-se coagi<strong>da</strong> a<br />

prestar atenção às imagens que os vestígios de seu cérebro nela formam 4 .<br />

Mas a razão restaura<strong>da</strong>, mais claramente ain<strong>da</strong>, é prova de que<br />

a alma é matéria e corpo organizados, pois a <strong>loucura</strong> é ape<strong>na</strong>s, e<br />

sempre, destruição, e como provar que a alma é realmente destruí<strong>da</strong>,<br />

que ela não está simplesmente acorrenta<strong>da</strong> ou oculta, ou repeli<strong>da</strong><br />

para outro lugar? Mas reconduzi-la em seus poderes, restituir-lhe sua<br />

integri<strong>da</strong>de, devolver-lhe força e liber<strong>da</strong>de ape<strong>na</strong>s com a adição de<br />

uma matéria hábil e arruma<strong>da</strong> é ter a prova de que a alma tem <strong>na</strong><br />

matéria sua virtude e sua perfeição, pois é um pouco de<br />

matéria acrescenta<strong>da</strong> que a faz passar de uma imperfeição<br />

acidental para sua <strong>na</strong>tureza perfeita:<br />

Um ser imortal pode admitir a transposição dessas partes e suportar que<br />

se acrescente alguma coisa à simplici<strong>da</strong>de de seu todo, do qual <strong>na</strong><strong>da</strong> pode<br />

ser retirado? 5<br />

Esse diálogo, tão velho quanto o confronto, no pensamento<br />

estoicista, entre o humanismo e a medici<strong>na</strong>, é retomado por Voltaire,<br />

3 Cf. decreto do Parlamento de Paris de 30 de agosto de 1711. Citado ein<br />

PARTURÍER, L'Assistance à Paris saus l'Ancien Régime et la Révolutian. Paris,<br />

1897, p. 159 e nota l.<br />

4 L'Arne matérielle, ou novo sistema sobre os princípios dos antigos e modemos<br />

filósofos que sustentam sua imateriali<strong>da</strong>de. Arse<strong>na</strong>l, ms. 2239, p. 13'i<br />

5 L'Ame matérielle, ibid.<br />

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