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A história da loucura na idade clássica

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homem, a possibili<strong>da</strong>de de abolir o homem e o mundo — e mesmo<br />

essas imagens que recusam o mundo e deformam o homem. Ela é,<br />

bem abaixo do sonho, bem abaixo do pesadelo <strong>da</strong> bestiali<strong>da</strong>de, o<br />

último recurso: o fim e o começo de tudo. Não que ela seja uma<br />

promessa, como no lirismo alemão, mas porque ela é o equívoco do<br />

caos e do apocalipse: o Idiota que grita e torce os ombros para<br />

escapar ao <strong>na</strong><strong>da</strong> que o aprisio<strong>na</strong> é o <strong>na</strong>scimento do primeiro homem<br />

e seu primeiro movimento <strong>na</strong> direção <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, ou o último<br />

sobressalto do último moribundo?<br />

Essa <strong>loucura</strong> que liga e separa o tempo, que curva o mundo no<br />

fecho de uma noite, esta <strong>loucura</strong> tão estranha à experiência que lhe é<br />

contemporânea não transmite, para os que são capazes de acolhê-la<br />

— Nietzsche e Artaud —, essas palavras, ape<strong>na</strong>s audíveis, do<br />

desatino clássico, onde o que estava em jogo era o <strong>na</strong><strong>da</strong> e a noite,<br />

mas ampliando-as até o grito e o furor? Mas <strong>da</strong>ndo-lhes, pela<br />

primeira vez, uma expressão, um direito de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e uma<br />

ascendência sobre a cultura ocidental, a partir <strong>da</strong> qual se tor<strong>na</strong>m<br />

possíveis to<strong>da</strong>s as contestações, e a contestação total? Devolvendolhes<br />

sua primitiva selvageria?<br />

A calma, paciente, linguagem de Sade recolhe, ela também, as<br />

últimas palavras do desatino e lhes dá, para o futuro, um sentido<br />

mais distante. Entre o desenho rompido de Goya e essa linha<br />

ininterrupta de palavras cuja retidão se prolonga desde o primeiro<br />

volume de Justine até o décimo de Juliette sem dúvi<strong>da</strong> não há <strong>na</strong><strong>da</strong><br />

em comum, a não ser um certo movimento que, subindo o curso do<br />

lirismo contemporâneo e escondendo suas origens, redescobre o<br />

segredo do <strong>na</strong><strong>da</strong> do desatino.<br />

No castelo onde se encerra o herói de Sade, nos conventos,<br />

florestas e subterrâneos onde prossegue indefini<strong>da</strong>mente a agonia de<br />

suas vítimas, parece à primeira vista que a <strong>na</strong>tureza pode<br />

desenvolver-se com to<strong>da</strong> a liber<strong>da</strong>de. O homem encontra aí uma<br />

ver<strong>da</strong>de que havia esquecido, ain<strong>da</strong> que manifesta: que desejo<br />

poderia ser contra a <strong>na</strong>tureza, uma vez que foi posto no homem pela<br />

própria <strong>na</strong>tureza e lhe é ensi<strong>na</strong>do por ela <strong>na</strong> grande lição <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong><br />

morte que o mundo não pára de repetir? A <strong>loucura</strong> do desejo, as<br />

mortes insensatas, as mais irracio<strong>na</strong>is paixões são sabedoria e razão<br />

porque pertencem à esfera <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza. Tudo que a moral e a<br />

religião, tudo o que uma socie<strong>da</strong>de mal feita conseguiu sufocar no<br />

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