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A história da loucura na idade clássica

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estado de espírito sombrio, por misantropia, por uma incli<strong>na</strong>ção decidi<strong>da</strong><br />

pela solidão.<br />

— A demência opõe-se à melancolia e à mania; estas são ape<strong>na</strong>s<br />

"o exercício depravado <strong>da</strong> memória e do entendimento"; em<br />

compensação, é uma rigorosa "paralisia do espírito" ou ain<strong>da</strong> "uma<br />

abolição <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de de racioci<strong>na</strong>r"; as fibras do cérebro não são<br />

suscetíveis de impressão e os espíritos animais não mais são capazes<br />

de movê-las. D'Amount, autor desse verbete, vê <strong>na</strong> "fatui<strong>da</strong>de" um<br />

grau menos acentuado de demência: um simples enfraquecimento do<br />

entendimento e <strong>da</strong> memória.<br />

— Apesar de algumas modificações de detalhe, vemos formar e<br />

manter-se, em to<strong>da</strong> essa medici<strong>na</strong> <strong>clássica</strong>, certas dependências<br />

essenciais, bem mais sóli<strong>da</strong>s que os parentescos nosográficos, talvez<br />

porque mais experimenta<strong>da</strong>s do que concebi<strong>da</strong>s, já que foram<br />

imagi<strong>na</strong><strong>da</strong>s de longa <strong>da</strong>ta e com elas se sonhou durante muito<br />

tempo: frenesi e calor <strong>da</strong>s febres; mania e agitação furiosa;<br />

melancolia e isolamento quase insular do delírio; demência e<br />

desordem do espírito. Sobre essas profundezas qualitativas <strong>da</strong><br />

percepção médica, os sistemas nosológicos estiveram em ce<strong>na</strong>, às<br />

vezes brilharam, por alguns instantes. Não constituíram uma figura<br />

<strong>na</strong> <strong>história</strong> real <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>.<br />

Resta, fi<strong>na</strong>lmente, um terceiro obstáculo, constituído pelas<br />

resistências e pelos desenvolvimentos próprios <strong>da</strong> prática médica.<br />

Há muito tempo, e em todo o domínio <strong>da</strong> medici<strong>na</strong>, a terapêutica<br />

vinha seguindo um caminho relativamente independente. Em todo<br />

caso, nunca, desde a Antigui<strong>da</strong>de, soubera coorde<strong>na</strong>r to<strong>da</strong>s as suas<br />

formas com os conceitos <strong>da</strong> teoria médica. E, mais que qualquer<br />

outra doença, a <strong>loucura</strong> manteve ao seu redor, até o fi<strong>na</strong>l do século<br />

XVIII, todo um corpo de práticas ao mesmo tempo arcaicas pela<br />

origem, mágicas pela significação e extramédicas pelo sistema de<br />

aplicação. Tudo o que a <strong>loucura</strong> podia ocultar de poderes<br />

aterrorizastes alimentava, em sua vivaci<strong>da</strong>de mal secreta, a vi<strong>da</strong><br />

abafa<strong>da</strong> dessas práticas.<br />

Mas ao fi<strong>na</strong>l do século XVII produziu-se um evento que,<br />

reforçando a autonomia <strong>da</strong>s práticas, deu-lhes um novo estilo e to<strong>da</strong><br />

uma nova possibili<strong>da</strong>de de desenvolvimento. Este evento é a<br />

definição <strong>da</strong>s perturbações de início chama<strong>da</strong>s "vapores" e que<br />

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