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A história da loucura na idade clássica

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irritação"; liberta-o dizendo que vai tomá-lo a seu serviço, e que<br />

exige dele to<strong>da</strong> a fideli<strong>da</strong>de que "um bom senhor" pode esperar de<br />

um doméstico reconhecido. O milagre se efetua; a virtude do valei<br />

fiel desperta de repente nessa alma perturba<strong>da</strong>:<br />

Nunca numa inteligência huma<strong>na</strong> uma revolução fora mais repenti<strong>na</strong>, nem<br />

mais completa...; ape<strong>na</strong>s libertado, ei-lo previdente, atento;<br />

uma má cabeça doma<strong>da</strong> por tanta generosi<strong>da</strong>de, ele mesmo vai,<br />

no lugar de seu novo senhor, desafiar e apaziguar o furor dos outros;<br />

pronuncia aos alie<strong>na</strong>dos palavras racio<strong>na</strong>is e bondosas, ele que ain<strong>da</strong> há<br />

pouco estava no mesmo nível deles, mas diante dos quais se sente<br />

engrandecido com sua liber<strong>da</strong>de 31 .<br />

Esse bom servidor deveria apresentar até o fim, <strong>na</strong> len<strong>da</strong> de<br />

Pinel, o papel de sua perso<strong>na</strong>gem; de corpo e alma dedicado a seu<br />

mestre, ele o protege quando o povo de Paris quer arrombar as<br />

portas de Bicêtre para fazer justiça aos "inimigos <strong>da</strong> <strong>na</strong>ção; ele faz<br />

uma barrica<strong>da</strong> com seu próprio corpo, e se expõe para salvar a vi<strong>da</strong><br />

de Pinel".<br />

Portanto, as correntes estão se rompendo, o louco é libertado. E,<br />

nesse momento, recupera a razão. Ou melhor, não: não é a razão<br />

que reaparece em si mesma e por si mesma; são espécies sociais já<br />

constituí<strong>da</strong>s que dormitaram durante muito tempo sob a <strong>loucura</strong>, e<br />

que se levantam em bloco, numa conformi<strong>da</strong>de perfeita com aquilo<br />

que representam, sem alteração nem caretas. Como se o louco,<br />

libertado <strong>da</strong> animali<strong>da</strong>de à qual as correntes o obrigavam, só se<br />

reunisse à socie<strong>da</strong>de através do tipo social. O primeiro dos libertados<br />

não se transforma pura e simplesmente num homem são de espírito,<br />

mas num oficial, um capitão inglês, leal para com aquele que o<br />

libertou, como com um vencedor que o mantivesse prisioneiro sob<br />

palavra, autoritário com os homens sobre os quais faz imperar seu<br />

prestígio de oficial. Sua saúde só se restaura nesses valores sociais<br />

que são ao mesmo tempo seu signo e sua presença concreta. Sua<br />

razão não pertence à esfera do conhecimento nem <strong>da</strong> felici<strong>da</strong>de; não<br />

consiste num bom funcio<strong>na</strong>mento do espírito; aqui, a razão é honra.<br />

Para o sol<strong>da</strong>do, ela será fideli<strong>da</strong>de e sacrifício; Chevingé não se<br />

transforma num homem razoável, mas num servidor. Em sua <strong>história</strong><br />

há mais ou menos as mesmas significações míticas que <strong>na</strong> de Sexta-<br />

31 SCIPION PINEL, Traité complet du régime sanitaire des aliénés, Paris, 1836, pp.<br />

56-63.<br />

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