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A história da loucura na idade clássica

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colocando nessa categoria também os fenômenos epiléticos? Quando<br />

Boerhaave falava <strong>da</strong>s manias, não estava descrevendo paranóias?<br />

Sob os traços <strong>da</strong> melancolia de Diemerbroek, não é fácil encontrar os<br />

signos certos de uma neurose obsessiva?<br />

Mas essas são brincadeiras de príncipes 11 , não de historiadores.<br />

Pode ser que, de um século para outro, não se fale <strong>da</strong>s mesmas<br />

doenças com os mesmos nomes, mas isso é porque,<br />

fun<strong>da</strong>mentalmente, não se trata <strong>da</strong> mesma doença. Quem diz <strong>loucura</strong><br />

nos séculos XVII e XVIII não diz, em sentido estrito, "doença do<br />

espírito", mas algo onde o corpo e a alma estão juntos em questão. É<br />

mais ou menos disso que falava Zacchias quando propunha esta<br />

definição que pode, grosso modo, valer para to<strong>da</strong> a era <strong>clássica</strong>:<br />

Amentiae a proprio cerebri morbo et ratioci<strong>na</strong>tricis facultatis laesione<br />

dependent. 12<br />

Portanto, deixando de lado uma problemática que foi<br />

acrescenta<strong>da</strong> bem tardiamente à experiência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, tentaremos<br />

agora isolar as estruturas que adequa<strong>da</strong>mente lhe pertencem —<br />

começando pelas mais exteriores (o ciclo <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de), passando a<br />

seguir para as mais interiores e menos visíveis (o ciclo <strong>da</strong> paixão e <strong>da</strong><br />

imagem) para tentar chegar, fi<strong>na</strong>lmente, ao âmago dessa<br />

experiência, aquilo que pôde constituí-la como tal: o momento<br />

essencial do delírio.<br />

A distinção entre causas longínquas e causas imediatas, familiar<br />

a todos os textos clássicos, pode muito bem, à primeira vista, parecer<br />

sem maiores conseqüências, proporcio<strong>na</strong>ndo ape<strong>na</strong>s, para organizar<br />

o mundo <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de, uma estrutura frágil. Na ver<strong>da</strong>de, essa<br />

distinção teve um peso considerável; o que nela pode haver de<br />

aparentemente arbitrário oculta um poder estruturante bastante<br />

rigoroso.<br />

11 Supondo-se, eyidentemente, que tenham lido Diemerbroek.<br />

12 ZACCHÍAS, Quaestianes medico-legales, Lyon, 1674, Livro II, tít. I, q. IÍ, p.<br />

114. No respeito à implicação entre corpo e alma <strong>na</strong> <strong>loucura</strong> as definições<br />

propostas pelos outros autores são do mesmo estilo. Willis: «Afecções do<br />

cérebro <strong>na</strong>s quais são lesa<strong>da</strong>s a razão e as outras funções <strong>da</strong> alma». (Opera,<br />

II, p. 227). Lorry: «Corporis aegrotantis conditio illa in qua judicia a sensibus<br />

orien<strong>da</strong> nultatenus aut sibi inter se aut rei representatae responsant». (De<br />

Melancholia, 1765, Í, p. 3).<br />

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