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A história da loucura na idade clássica

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esse homem, que partiu de todos os países <strong>da</strong> Europa para um<br />

mesmo exílio por volta <strong>da</strong> metade do século XVII, foi reconhecido<br />

como estranho à socie<strong>da</strong>de que o havia escorraçado e irredutível a<br />

suas exigências; ele se tornou então, para maior tranqüili<strong>da</strong>de de<br />

nosso espírito, o candi<strong>da</strong>to indiferençado a to<strong>da</strong>s as prisões, a todos<br />

os asilos, a todos os castigos. Na reali<strong>da</strong>de, não é mais que o<br />

esquema de exclusões superpostas.<br />

Esse gesto que proscreve é tão abrupto quanto aquele que isolou<br />

os leprosos; porém, não mais do que aconteceu com este, seu<br />

sentido não deve ser procurado em seu resultado. Os leprosos não<br />

foram caçados a fim de impedir o contágio; por volta de 1657 a<br />

centésima parte <strong>da</strong> população de Paris não foi inter<strong>na</strong><strong>da</strong> a fim de que<br />

a ci<strong>da</strong>de se livrasse dos "a-sociais". Esse gesto tinha, sem dúvi<strong>da</strong>,<br />

outro alcance: ele não isolava estranhos desconhecidos, durante<br />

muito tempo evitados por hábito; criava-os, alterando rostos<br />

familiares <strong>na</strong> paisagem social a fim de fazer deles figuras bizarras que<br />

ninguém reconhecia mais. Suscitava o Estrangeiro ali mesmo onde<br />

ninguém o pressentira. Rompia a trama, desfazia familiari<strong>da</strong>des;<br />

através dele, algo no homem foi posto fora do horizonte de seu<br />

alcance, e indefini<strong>da</strong>mente recuado em nosso horizonte. Resumindo,<br />

pode-se dizer que esse gesto foi criador de alie<strong>na</strong>ção.<br />

Neste sentido, refazer a <strong>história</strong> desse processo de banimento é<br />

fazer a arqueologia de uma alie<strong>na</strong>ção. O que se trata então de<br />

determi<strong>na</strong>r não é qual a categoria patológica ou policial assim<br />

abor<strong>da</strong><strong>da</strong>, o que pressupõe sempre a existência dessa alie<strong>na</strong>ção<br />

como um <strong>da</strong>do; é necessário saber como esse gesto foi realizado, isto<br />

é, que operações se equilibram <strong>na</strong> totali<strong>da</strong>de por ele forma<strong>da</strong>, de que<br />

horizontes diversos provinham aqueles que partiram juntos sob o<br />

golpe <strong>da</strong> mesma segregação, e que experiência o homem clássico<br />

fazia de si mesmo no momento em que alguns de seus perfis irais<br />

costumeiros começavam a perder, para ele, sua familiari<strong>da</strong>de e sua<br />

semelhança com aquilo que ele reconhecia sua própria imagem. Se<br />

esse decreto tem um sentido, através <strong>da</strong> qual o homem moderno<br />

designou no louco sua própria ver<strong>da</strong>de alie<strong>na</strong>do, é <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que<br />

se constituiu, bem antes do homem apodérar-se dele e simbolizá-lo,<br />

esse campo <strong>da</strong> alie<strong>na</strong>ção onde o louco se vê banido, entre tantas<br />

outras figuras que para nós não mais têm parentesco com ele. Este<br />

campo foi realmente circunscrito pelo espaço do inter<strong>na</strong>mento; e a<br />

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