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A história da loucura na idade clássica

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invulnerabili<strong>da</strong>de, semelhante àquela que a <strong>na</strong>tureza, com sua<br />

previdência, forneceu aos animais. Curiosamente, a perturbação <strong>da</strong> razão<br />

restitui o louco à bon<strong>da</strong>de imediata <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza, pelos caminhos do<br />

retorno à animali<strong>da</strong>de 39 .<br />

2º) É por isso que, nesse ponto extremo, a <strong>loucura</strong> depende menos<br />

que nunca <strong>da</strong> medici<strong>na</strong>; tampouco pode pertencer ao mundo<br />

correcio<strong>na</strong>l. Animali<strong>da</strong>de desenfrea<strong>da</strong>, só se pode dominá-la pela<br />

domesticação e pelo embrutecimento. O tema do louco-animal foi<br />

efetivamente realizado no século XVIII, <strong>na</strong> pe<strong>da</strong>gogia que às vezes se<br />

tentou impor aos alie<strong>na</strong>dos. Pinel cita o caso de um "estabelecimento<br />

monástico muito renomado, numa <strong>da</strong>s regiões meridio<strong>na</strong>is <strong>da</strong> França",<br />

onde o insano extravagante via-se intimado com "a ordem precisa de<br />

mu<strong>da</strong>r"; se se recusasse a deitar ou comer,<br />

era prevenido de que sua obsti<strong>na</strong>ção nesses desvios <strong>da</strong> conduta seriam<br />

punidos no dia seguinte com dez chicota<strong>da</strong>s com nervo de boi.<br />

Em compensação, se era submisso e dócil, faziam-no "tomar as<br />

refeições no refeitório, ao lado do preceptor", mas à menor falta era<br />

advertido no mesmo instante por "um golpe de vara bem forte nos<br />

dedos" 40 . Assim, numa curiosa dialética cujo movimento explica to<strong>da</strong>s<br />

essas práticas "inuma<strong>na</strong>s" do inter<strong>na</strong>mento, a livre animali<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

<strong>loucura</strong> só é domi<strong>na</strong><strong>da</strong> por essa domesticação cujo sentido não consiste<br />

em elevar o bestial até o humano, mas sim em restituir o homem àquilo<br />

que ele pode ter de puramente animal. A <strong>loucura</strong> tor<strong>na</strong>-se um segredo<br />

de animali<strong>da</strong>de que é sua ver<strong>da</strong>de e no qual, de algum modo, ela se<br />

reabsorve. Por volta <strong>da</strong> metade do século XVIII, um fazendeiro do<br />

Norte <strong>da</strong> Escócia teve seu momento de glória. Atribuía-se-lhe a arte de<br />

curar a mania. Pinel observa en passant que esse Gregory tinha a<br />

estatura de um Hércules:<br />

seu método consistia em entregar os alie<strong>na</strong>dos aos trabalhos mais árduos <strong>da</strong><br />

agricultura, usando uns como bestas de carga, outros como domésticos,<br />

reduzindo-os enfim à obediência com uma saraiva<strong>da</strong> de golpes ao menor ato<br />

de revolta 41 .<br />

39 Pode-se citar, como outra expressão desse mesmo tema, o regime alimentar a<br />

que eram submetidos os insanos de Bicêtre (em Saint -Prix): «Seis quartos<br />

de pão cinza por dia, a sopa posta no pão; um quarto de carne aos domingos,<br />

terças e quintas; um terço de litro de ervilha ou favas às segun<strong>da</strong>s e<br />

sextas; uma onça de manteiga às quartas ; uma onça de queijo aos<br />

sábados». Arquivos de Bicêtre, Regulamento de 1781, Cap. V, art. 6.<br />

40 PINEL, loc. cit., p. 312.<br />

41 PINEL, op. cit., p. 312.<br />

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