15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

descrença não passa de uma seqüência de licenciosi<strong>da</strong>des <strong>na</strong> vi<strong>da</strong>. E<br />

é em nome destas que se vai conde<strong>na</strong>r. Risco mortal mais do que um<br />

perigo para a religião. A crença é um elemento <strong>da</strong> ordem, o que<br />

significa que se zela por ela. Para o ateu ou ímpio, no qual mais se<br />

teme a fraqueza dos sentimentos e a confusão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do que a força<br />

<strong>da</strong> descrença, o inter<strong>na</strong>mento tem a função de reforma moral em prol<br />

de um apego mais fiel à ver<strong>da</strong>de. Há todo um aspecto, quase<br />

pe<strong>da</strong>gógico, que faz <strong>da</strong> casa de inter<strong>na</strong>mento uma espécie de casa de<br />

força para a ver<strong>da</strong>de: aplicar uma coação moral tão rigorosa quanto<br />

necessária para que a luz se torne inevitável:<br />

Gostaria de ver um homem sóbrio, moderado, casto, equilibrado, dizer que<br />

Deus não existe; no mínimo ele falaria sem nenhum interesse, mas esse<br />

homem não existe 57 .<br />

Durante muito tempo, até d'Holbach e Helvécio, a era <strong>clássica</strong><br />

vai ter certeza de que esse homem não existe; durante muito tempo<br />

ela terá a certeza de que, tor<strong>na</strong>ndo sóbrio, moderado e casto aquele<br />

que diz que Deus não existe, ser-lhe-ia retirado todo o interesse que<br />

ele tem em falar desse modo, levando-se-o a reconhecer que há um<br />

Deus. Essa é uma <strong>da</strong>s significações maiores do inter<strong>na</strong>mento.<br />

E o uso que se fez dele trai um curioso movimento de idéias,<br />

através do qual certas formas <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de de pensar, certos aspectos<br />

<strong>da</strong> razão irão aparentar-se com a insani<strong>da</strong>de. No começo do século<br />

XVII, a liberti<strong>na</strong>gem não era exclusivamente um racio<strong>na</strong>lismo<br />

<strong>na</strong>scente: era igualmente uma inquietação diante <strong>da</strong> presença do<br />

desatino no interior <strong>da</strong> própria razão — um ceticismo cujo ponto de<br />

aplicação não era o conhecimento, em seus limites, mas a razão em<br />

seu todo:<br />

To<strong>da</strong> nossa vi<strong>da</strong>, bem considera<strong>da</strong>, não passa de uma fábula; nossos<br />

conhecimentos, bobagens; nossas certezas, contos: em suma, todo o mundo<br />

é uma farsa e uma eter<strong>na</strong> comédia 58 .<br />

Não é mais possível estabelecer uma divisão entre o sentido e a<br />

<strong>loucura</strong>; apresentam-se conjuntamente, numa uni<strong>da</strong>de indecifrável<br />

em que podem passar indefini<strong>da</strong>mente de um para outro:<br />

Na<strong>da</strong> existe, por mais frívolo que seja, que não seja de algum modo bastante<br />

importante; não há <strong>loucura</strong>, contanto que seja bem segui<strong>da</strong>, que não passe<br />

por sabedoria.<br />

57 L.A BRUYÈRE, Caractéres, Cap. XVI, Parte 11, Hachette, p. 322.<br />

58 LA MOTHE LE VAYER, Dialogues d'Orasius Tubero, ed. 1716, I, p. .se<br />

113

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!