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A história da loucura na idade clássica

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lugar, isto acontece <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que é afasta<strong>da</strong>; deve seus rostos,<br />

suas diferenças, não a uma atenção que se aproxima, mas a uma<br />

indiferença que a isola. De modo que o máximo de distância será<br />

conseguido às vésperas do dia em que ela surgirá como "liberta<strong>da</strong>" e<br />

transforma<strong>da</strong> em "huma<strong>na</strong>", às vésperas mesmo do dia em que Pinel<br />

reformará a Bicêtre 32 . Resta agora demonstrá-lo.<br />

O resultado, não há dúvi<strong>da</strong>, é exatamente aquele que se sabe:<br />

não há um psiquiatra, um historiador que não ce<strong>da</strong>, no começo do<br />

século XIX, ao mesmo movimento de indig<strong>na</strong>ção; em todos os lados<br />

o mesmo escân<strong>da</strong>lo, a mesma virtuosa reprovação: "Ninguém sentiu<br />

vergonha por colocar os alie<strong>na</strong>dos em prisões". Esquirol enumera o<br />

forte de Hâ, em Bordeaux, as casas de força de Toulouse e Rennes,<br />

as "Bicêtres" encontra<strong>da</strong>s em Poitiers, Caen, Amiens, o "Castelo" de<br />

Angers;<br />

de resto, há poucas prisões <strong>na</strong>s quais não se consegue encontrar alie<strong>na</strong>dos<br />

furiosos; esses infelizes são acorrentados em celas ao lado de criminosos.<br />

Que monstruosa associação! Os alie<strong>na</strong>dos tranqüilos são mais maltratados do<br />

que os malfeitores 33 .<br />

Todo o século faz eco a essas acusações; <strong>na</strong> Inglaterra, são os<br />

Tuke, transformados em historiadores e apólogos <strong>da</strong> obra ancestral 34 ;<br />

<strong>na</strong> Alemanha, após Wagnitz, é Reil que chora por esses infelizes,<br />

"jogados, como criminosos de Estado, em subterrâneos, em celas<br />

onde o olhar <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de nunca, penetra" 35 . A era positivista,<br />

durante mais de meio século, foi testemunha incansável dessa<br />

ruidosa pretensão de ter sido a primeira a libertar o louco de uma<br />

confusão lamentável com os conde<strong>na</strong>dos, de ter separado a inocência<br />

do desatino, <strong>da</strong> culpabili<strong>da</strong>de dos criminosos.<br />

Ora, é fácil demonstrar que essa pretensão é vã. Há anos que os<br />

32 É evidente que não se trata de inscrever-se no debate entre os hagió- grafos de<br />

Pinel — como Sémelaigne — e os que tentam reduzir sua origi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de<br />

atribuindo ao inter<strong>na</strong>mento clássico to<strong>da</strong>s as intenções humanitárias do século<br />

XIX, como Sérieux e Libert. Não se trata, para nós, de um problema de<br />

influencia individual, mas de estruturação histórica — estrutura <strong>da</strong> experiência<br />

ne que uma cultura pode ter <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. A polêmica entre Sérieux e Sé- um<br />

assunto político e também familiar. Sémelaigne, aliado dos descendentes de<br />

Pinel, é um radical. Em to<strong>da</strong> essa discussão não há vestígio algum dos<br />

conceitos.<br />

33 ESQUIROL, Des maladies mentales, II, p. 138.<br />

34 S. TUKE, Description of the Retreat, York, 1813; D.H. TUKE, Chapters on History<br />

of the Insone, Londres, 1882.<br />

35 Cit. por ESQUIROL, ioc. cit., pp. 134-135.<br />

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