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A história da loucura na idade clássica

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é um eterno recomeçar sob a forma interioriza<strong>da</strong> do remorso. O louco<br />

"libertado" por Pinel e, depois dele, o louco do inter<strong>na</strong>mento<br />

moderno, são perso<strong>na</strong>gens sob processo. Se têm o privilégio de não<br />

mais serem misturados ou assimilados a conde<strong>na</strong>dos, são<br />

conde<strong>na</strong>dos a estar, a todo momento, sujeitos a um ato de acusação<br />

cujo texto nunca é revelado, pois é to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> no asilo que o<br />

formula. O asilo <strong>da</strong> era positivista, por cuja fun<strong>da</strong>ção se glorifica a<br />

Pinel, não é um livre domínio de observação, de diagnóstico e de<br />

terapêutica; é um espaço judiciário onde se é acusado, julgado e<br />

conde<strong>na</strong>do e do qual só se consegue a libertação pela versão desse<br />

processo <strong>na</strong>s profundezas psicológicas, isto é, pelo arrependimento. A<br />

<strong>loucura</strong> será puni<strong>da</strong> no asilo, mesmo que seja inocenta<strong>da</strong> fora dele.<br />

Por muito tempo, e pelo menos até nossos dias, permanecerá<br />

aprisio<strong>na</strong><strong>da</strong> num mundo moral.<br />

Ao silêncio, ao reconhecimento pelo espelho, a esse eterno<br />

julgamento, seria preciso acrescentar uma quarta estrutura própria<br />

do mundo asilar, tal como ele se constitui ao fi<strong>na</strong>l do século XVIII: é<br />

a apoteose <strong>da</strong> perso<strong>na</strong>gem do médico. De to<strong>da</strong>s, ela é sem dúvi<strong>da</strong> a<br />

mais importante, pois vai autorizar não ape<strong>na</strong>s novos contatos entre<br />

o médico e o doente, mas um novo relacio<strong>na</strong>mento entre a alie<strong>na</strong>ção<br />

e o pensamento médico e, enfim, coman<strong>da</strong>r to<strong>da</strong> a experiência<br />

moder<strong>na</strong> <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. Até aqui, só se encontravam no asilo as próprias<br />

estruturas do inter<strong>na</strong>mento, porém defasa<strong>da</strong>s e deforma<strong>da</strong>s. Com o<br />

novo estatuto <strong>da</strong> perso<strong>na</strong>gem do médico, é o sentido mais profundo<br />

do inter<strong>na</strong>mento que é abolido: a doença mental, <strong>na</strong>s significações<br />

que ora lhe atribuímos, tor<strong>na</strong>-se então possível.<br />

A obra de Tuke e a de Pinel, cujo espírito e valores são tão<br />

diferentes, vêm encontrar-se nessa transformação <strong>da</strong> perso<strong>na</strong>gem do<br />

médico. O médico, como vimos, não tinha lugar <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> do<br />

inter<strong>na</strong>mento. Agora ele se transforma <strong>na</strong> figura essencial do asilo.<br />

Ele coman<strong>da</strong> a entra<strong>da</strong> no asilo. O regulamento do Retiro esclarece:<br />

No que diz respeito à admissão de doentes, a comissão deve, geralmente,<br />

exigir um certificado assi<strong>na</strong>do por um médico... Deve-se estabelecer<br />

também se o doente está atingido por uma afecção que não a <strong>loucura</strong>. É<br />

igualmente desejável que se acrescente um relatório indicando há quanto<br />

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