15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

3. O Mundo Correcio<strong>na</strong>l<br />

Do outro lado desses muros do inter<strong>na</strong>mento não se encontram<br />

ape<strong>na</strong>s a pobreza e a <strong>loucura</strong>, mas rostos, bem mais variados e<br />

silhuetas cuja estatura comum nem sempre é fácil de reconhecer.<br />

É evidente que o inter<strong>na</strong>mento, em suas formas primitivas,<br />

funcionou como um mecanismo social, e que esse mecanismo atuou<br />

sobre uma área bem ampla, <strong>da</strong>do que se estendeu dos regulamentos<br />

mercantis elementares ao grande sonho burguês de uma ci<strong>da</strong>de onde<br />

imperaria a síntese autoritária <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza e <strong>da</strong> virtude. Daí a supor<br />

que o sentido do inter<strong>na</strong>mento se esgota numa obscura fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de<br />

social que permite ao grupo elimi<strong>na</strong>r os elementos que lhe são<br />

heterogêneos ou nocivos, há ape<strong>na</strong>s um passo. O inter<strong>na</strong>mento seria<br />

assim a elimi<strong>na</strong>ção espontânea dos "a-sociais"; a era <strong>clássica</strong> teria<br />

neutralizado, com segura eficácia — tanto mais segura quanto cega<br />

— aqueles que, não sem hesitação, nem perigo, distribuímos entre as<br />

prisões, casas de correção, hospitais psiquiátricos ou gabinetes de<br />

psica<strong>na</strong>listas. Foi isso, em suma, o que pretendeu demonstrar, no<br />

começo do século, todo um grupo de historiadores 1 , se esse termo<br />

não for, no mínimo, exagerado. Se eles tivessem sabido isolar o liame<br />

evidente que liga a polícia do inter<strong>na</strong>mento à política mercantil, é<br />

bem provável que teriam encontrado nesse ponto um argumento<br />

suplementar em favor de sua tese. Talvez o único argumento sério e<br />

que mereceria um exame. Teriam podido mostrar sobre que fundo de<br />

sensibili<strong>da</strong>de social a consciência médica <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> pôde formar-se,<br />

e até que ponto ela lhe permanece liga<strong>da</strong>, <strong>da</strong>do que é esta<br />

sensibili<strong>da</strong>de que serve como elemento regulador quando se trata de<br />

1 O iniciador dessa interpretação foi Sêrieux (cf. entre outros SÉRIEUX e LIBERT,<br />

Le Regime des alienes en France au XVIIIe siècle Paris, 1914). O espírito<br />

desses trabalhos foi retomado por PHILIPE CHATELAIN (Le Regime des alienes<br />

et des anormaux aux XVIIe e XVIIIe siècles, Paris, 1921), MARTHE HENRY (La<br />

Salpêtrière sons l'Ancien Régime, Paris, 1922), JACQUES VIÊ (Les Alienes et<br />

Correction<strong>na</strong>ires é Saint-Lazare aux XVIIe et XVIIIe siècles, Paris, 1930),<br />

HÉLÉNE BONNAFOUS-SÉRIEUX (La Charité de Sentis, Paris, 1936), RENÊ<br />

TARDIF (La Charite de Chàteau-Thierry, Paris, 1939). Tratava-se,<br />

aproveitando os trabalhos de Funck-Brentano, de «reabilitar» o inter<strong>na</strong>mento<br />

sob o Antigo Regime e demolir o mito <strong>da</strong> Revolução que libertara os loucos,<br />

mito constituído por Pine/ e Esquirol, ain<strong>da</strong> vivo ao fi<strong>na</strong>l do sécúlo XIX <strong>na</strong>s<br />

obras de Sémelaigne, de Paul Bru, de Louis Boucher, de Êmile Richard.<br />

90

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!