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A história da loucura na idade clássica

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<strong>loucura</strong> dos dementes. Desse modo, a <strong>loucura</strong> emigrou para o lado<br />

dos guardiães; os que encerram os loucos como animais são os que<br />

agora detêm to<strong>da</strong> a brutali<strong>da</strong>de animal <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>; é neles que a<br />

besta impera, e a que aparece nos dementes não passa de um turvo<br />

reflexo <strong>da</strong> primeira. Um segredo é descoberto: é que a bestiali<strong>da</strong>de<br />

não residia no animal, mas em sua domesticação; esta, ape<strong>na</strong>s<br />

através de seu rigor, é que a constituía. O louco se vê assim<br />

purificado <strong>da</strong> animali<strong>da</strong>de ou pelo menos dessa parte de animali<strong>da</strong>de<br />

que é violência, pre<strong>da</strong>ção, raiva, selvageria; só lhe restará uma<br />

animali<strong>da</strong>de dócil, a que não responde à coação e ao ensino pela<br />

violência. A len<strong>da</strong> do encontro entre Couthon e Pinel relata essa<br />

purificação; mais exatamente, ela mostra que essa purificação era<br />

coisa feita quando a len<strong>da</strong> foi escrita.<br />

Com a parti<strong>da</strong> de Couthon, "o filantropo logo põe mãos à obra";<br />

decide libertar doze alie<strong>na</strong>dos que estavam acorrentados. O primeiro<br />

é um capitão inglês acorrentado numa cela de Bicêtre há quarenta<br />

anos:<br />

Era encarado como o mais terrível de todos os alie<strong>na</strong>dos...; num acesso de<br />

furor, tinha <strong>da</strong>do uma panca<strong>da</strong> com suas algemas <strong>na</strong> cabeça de um servente,<br />

matando-o <strong>na</strong> hora.<br />

Pinel aproxima-se dele, exorta-o "a ser razoável, e a não fazer<br />

mal a ninguém"; se assim agisse, prometia libertá-lo de suas<br />

correntes e <strong>da</strong>r-lhe o direito de passear no pátio: "Acredite em mim.<br />

Seja calmo e tenha confiança, eu lhe devolverei a liber<strong>da</strong>de". O<br />

capitão ouve o discurso, e fica calmo enquanto caem suas correntes;<br />

ape<strong>na</strong>s livre, precipita-se para admirar a luz do sol e "exclama<br />

extasiado: como é bonito!" Todo esse primeiro dia de liber<strong>da</strong>de<br />

recupera<strong>da</strong>, ele o passa "correndo, subindo as esca<strong>da</strong>s, descendo-as,<br />

dizendo sempre: como é bonito!" Nessa mesma noite, ele volta para<br />

sua cela, dormindo pacificamente.<br />

Durante dois anos, que ain<strong>da</strong> passou em Bicêtre, não teve mais nenhum<br />

acesso de furor; tor<strong>na</strong>-se mesmo útil <strong>na</strong> casa, exercendo uma certa<br />

autori<strong>da</strong>de sobre os loucos, que ele coman<strong>da</strong> à sua vontade e dos quais ele se<br />

estabelece como vigilante.<br />

Outra libertação, não menos conheci<strong>da</strong> <strong>na</strong>s crônicas <strong>da</strong><br />

hagiografia médica: a do sol<strong>da</strong>do Chevingé. Era um bêbado que havia<br />

sido acometido por um delírio de grandeza e se acreditava general;<br />

mas Pinel havia reconhecido uma "excelente <strong>na</strong>tureza sob essa<br />

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