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A história da loucura na idade clássica

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em cujo nome a <strong>loucura</strong> huma<strong>na</strong> é denuncia<strong>da</strong> revela-se, quando<br />

fi<strong>na</strong>lmente se chega a ela, ape<strong>na</strong>s como uma vertigem onde a razão<br />

deve calar-se.<br />

Assim, e sob a influência maior do pensamento cristão,<br />

encontra-se conjurado o grande perigo que o século XV tinha visto<br />

crescer. A <strong>loucura</strong> não é um poder abafado, que faz explodir o mundo<br />

revelando fantásticos prestígios; ela não revela, no crepúsculo dos<br />

tempos, as violências <strong>da</strong> bestiali<strong>da</strong>de, ou a grande luta entre o Saber<br />

e a Proibição. Ela é considera<strong>da</strong> no ciclo indefinido que a liga à razão;<br />

elas se afirmam e se negam uma à outra. A <strong>loucura</strong> não tem mais<br />

uma existência absoluta <strong>na</strong> noite do mundo: existe ape<strong>na</strong>s<br />

relativamente à razão, que as perde uma pela a outra enquanto as<br />

salva uma com a outra.<br />

2) A <strong>loucura</strong> tor<strong>na</strong>-se uma <strong>da</strong>s próprias formas <strong>da</strong> razão. Aquela<br />

integra-se nesta, constituindo seja uma de suas forças secretas, seja<br />

um dos momentos de sua manifestação, seja uma forma paradoxal<br />

<strong>na</strong> qual pode tomar consciência de si mesma. De todos os modos, a<br />

<strong>loucura</strong> só tem sentido e valor no próprio campo <strong>da</strong> razão.<br />

A presunção é nossa doença <strong>na</strong>tural e origi<strong>na</strong>l. O homem é a mais calamitosa<br />

e frágil dentre to<strong>da</strong>s as criaturas, e a mais orgulhosa. Ela se sente e se vê<br />

aqui aloja<strong>da</strong> pela lama e pelo excremento do mundo, amarra<strong>da</strong> e prega<strong>da</strong> ao<br />

pior, depois morta e atola<strong>da</strong> como parte do universo, no último an<strong>da</strong>r do<br />

abrigo e o mais distanciado <strong>da</strong> abóba<strong>da</strong> celeste, com os animais <strong>da</strong> pior<br />

condição <strong>da</strong>s três, e vai-se plantando pela imagi<strong>na</strong>ção acima do círculo <strong>da</strong>. lua<br />

e pondo o céu sob seus pés. É pela vai<strong>da</strong>de dessa mesma imagi<strong>na</strong>ção que ele<br />

se iguala a Deus 92 .<br />

Tal é a pior <strong>loucura</strong> do homem: não reconhece a miséria em que<br />

está encerrado, a fraqueza que o impede de aproximar-se do<br />

ver<strong>da</strong>deiro e do bom; não saber que parte <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> é a sua.<br />

Recusar esse desatino que é o próprio signo de sua condição é privar-<br />

se para sempre do uso razoável de sua razão. Pois se existe razão, é<br />

justamente <strong>na</strong> aceitação desse círculo contínuo <strong>da</strong> sabedoria e <strong>da</strong><br />

<strong>loucura</strong>, é <strong>na</strong> clara consciência de sua reciproci<strong>da</strong>de e de sua<br />

impossível partilha. A ver<strong>da</strong>deira razão não está isenta de todo<br />

compromisso com a <strong>loucura</strong>; pelo contrário, ela tem mesmo de tomar<br />

os caminhos que esta lhe traça:<br />

Aproximem-se um pouco, filhas de Júpiter! Vou demonstrar que o único<br />

acesso a essa sabedoria perfeita, a que chamamos a ci<strong>da</strong>dela <strong>da</strong> felici<strong>da</strong>de, é<br />

através <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> 93 .<br />

92 MONTAIGNE, Essais, Livro II, Cap. XII, ed. Garnier, II, p. 188.<br />

93 ERASMO, loc. cít., ?t 30, p. 57.<br />

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