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A história da loucura na idade clássica

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podia ser, no máximo, o penúltimo momento <strong>da</strong> tragédia. Não o<br />

último, como em Andrômaca, onde nenhuma ver<strong>da</strong>de é dita, no<br />

Delírio, além <strong>da</strong> de uma paixão que encontrou, com a <strong>loucura</strong>, a<br />

perfeição de sua completude.<br />

O movimento próprio do desatino, que o saber clássico seguiu e<br />

perseguiu, já havia cumprido a totali<strong>da</strong>de de sua trajetória <strong>na</strong><br />

concisão <strong>da</strong> palavra trágica. Após o que, o silêncio podia imperar e a<br />

<strong>loucura</strong> desaparecer <strong>na</strong> presença. sempre afasta<strong>da</strong>, do desatino.<br />

O que agora sabemos do desatino permite-nos melhor<br />

compreender o que era o inter<strong>na</strong>mento.<br />

Esse gesto que fazia a <strong>loucura</strong> desaparecer num mundo neutro e<br />

uniforme <strong>da</strong> exclusão não assi<strong>na</strong>lava um compasso de espera <strong>na</strong><br />

evolução <strong>da</strong>s técnicas médicas, nem no progresso <strong>da</strong>s idéias<br />

humanitárias. Ele se revestia de seu sentido exato neste fato: que <strong>na</strong><br />

era <strong>clássica</strong> a <strong>loucura</strong> deixou de ser o signo de um outro mundo,<br />

tendo-se tor<strong>na</strong>do a paradoxal manifestação do não-ser. No fundo, o<br />

inter<strong>na</strong>mento não visa tanto suprimir a <strong>loucura</strong>, ou escorraçar <strong>da</strong><br />

ordem social uma figura que aí não encontra lugar; sua essência não<br />

é a conjuração desse perigo. Ele ape<strong>na</strong>s manifesta aquilo que a<br />

<strong>loucura</strong> é em sua essência: uma revelação do não-ser. E<br />

manifestando esta manifestação, por isso mesmo ele a suprime, pois<br />

a restitui à sua ver<strong>da</strong>de de <strong>na</strong><strong>da</strong>. O inter<strong>na</strong>mento é a prática que<br />

melhor corresponde a uma <strong>loucura</strong> senti<strong>da</strong> como desatino, isto é,<br />

como negativi<strong>da</strong>de vazia <strong>da</strong> razão; nele, a <strong>loucura</strong> é reconheci<strong>da</strong><br />

como não sendo <strong>na</strong><strong>da</strong>. Isto significa que de um lado ela é<br />

imediatamente senti<strong>da</strong> como diferença, donde as formas de<br />

julgamento espontâneo e coletivo que se pede, não dos médicos, mas<br />

dos homens de bom senso, a fim de determi<strong>na</strong>r o inter<strong>na</strong>mento de<br />

um louco 75 .<br />

Por outro lado, o inter<strong>na</strong>mento não pode ter por fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de outra<br />

75 Neste sentido, uma definição <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> como a proposta por Dufour (e, no<br />

essencial, ela não difere <strong>da</strong>s que lhe são contemporâneas) pode passar por<br />

uma teoria do inter<strong>na</strong>mento, pois desig<strong>na</strong> a <strong>loucura</strong> como um erro onírico, um<br />

duplo não-ser imediatamente sensível <strong>na</strong> diferença com a universali<strong>da</strong>de dos<br />

homens: «Erro do entendimento que julga mal, no estado de vigília, coisas<br />

sobre as quais todos pensam do mesmo modo» (Essai, p. 355).<br />

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