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A história da loucura na idade clássica

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constitui como que a uni<strong>da</strong>de do mal entregue a si mesmo, numa<br />

liber<strong>da</strong>de desenfrea<strong>da</strong>. D'Argenson exige o inter<strong>na</strong>mento de uma<br />

mulher no Refúgio,<br />

não ape<strong>na</strong>s pelo desregramento de seus costumes mas por sua <strong>loucura</strong>, que<br />

chega freqüentemente ao furor e que aparentemente a levará, ou a se<br />

desfazer de seu marido, ou a matar-se a si mesma <strong>na</strong> primeira<br />

oportuni<strong>da</strong>de 8 .<br />

Tudo se passa como se a explicação psicológica duplicasse a<br />

incrimi<strong>na</strong>ção moral, quando há muito tempo nos acostumamos a<br />

estabelecer entre elas uma relação de subtração.<br />

Se conspira de modo tão espontâneo com a mal<strong>da</strong>de, a<br />

<strong>loucura</strong> involuntária, aquela que parece apoderar-se do homem<br />

contra sua vontade, não é em <strong>na</strong><strong>da</strong> diferente, em sua essência<br />

secreta, <strong>da</strong>quela que é fingi<strong>da</strong> intencio<strong>na</strong>lmente por indivíduos<br />

lúcidos. Entre elas existe, em todo caso, um parentesco<br />

fun<strong>da</strong>m ental. O direito, pelo contrário, procura distinguir com o<br />

maior rigor possível a alie<strong>na</strong>ção fingi<strong>da</strong> <strong>da</strong> autêntica, uma vez que<br />

não se conde<strong>na</strong> à pe<strong>na</strong> que seu crime mereceria "aquele que está<br />

ver<strong>da</strong>deiramente atingido pela <strong>loucura</strong>" 9 . No inter<strong>na</strong>mento, essa<br />

distinção não é feita: a <strong>loucura</strong> real não vale mais do que a<br />

fingi<strong>da</strong>. Em 1710 foi inter<strong>na</strong>do em Charenton um rapaz de vinte e<br />

cinco anos que se fazia chamar Dom Pedro de Jesus e que se<br />

dizia filho do rei do Marrocos. Até então tinha sido considerado<br />

simplesmente como um louco. Mas passou-se a suspeitar que ele<br />

fingia ser louco; não passou um mês em Charenton<br />

sem testemunhar que estava em seu perfeito juízo; admite que não é o<br />

filho do rei do Marrocos, mas afirma que seu pai é um gover<strong>na</strong>dor do<br />

interior, e não consegue resolver-se a pôr de lado to<strong>da</strong>s as suas quimeras.<br />

Loucura real e demência imita<strong>da</strong> se justapõem, como se mentiras<br />

interessa<strong>da</strong>s viessem completar as quimeras do desatino. Em todo<br />

caso, "a fim de puni-lo por sua impostura e por sua <strong>loucura</strong> fingi<strong>da</strong>,<br />

penso", escreve d'Argenson a Pontchartrain, "que vem a propósito<br />

levá-lo para a Bastilha". Ao fi<strong>na</strong>l, é para Vincennes que o<br />

man<strong>da</strong>m; cinco anos mais tarde, as quimeras parecem mais<br />

numerosas que as mentiras, mas ele terá de morrer em<br />

Vincennes, entre os outros prisioneiros:<br />

8 Notes de René d'Argenson, p. 93.<br />

9 CL.- J. de FERRIÈRE, Diction<strong>na</strong>ire de droit..., verbete «Loucura», I, p. 611 (o grifo<br />

é nosso).<br />

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