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A história da loucura na idade clássica

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indicados como "correcionários". Doze anos mais tarde, quando de<br />

uma visita semelhante, em julho de 1733, o número dos loucos não<br />

aumentou de maneira notável, mas o mundo <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> proliferou de<br />

modo estranho. Deixemos de lado menções como "liberti<strong>na</strong>gem", "má<br />

conduta", "sem religião", "não quer ir à missa": estas são figuras<br />

ca<strong>da</strong> vez mais confusas do desatino. Apegando-se ape<strong>na</strong>s às formas<br />

<strong>da</strong> <strong>loucura</strong> reconheci<strong>da</strong>s como tais, apontam-se 12 "insensatos", 6<br />

"fracos de espírito", 2 "alie<strong>na</strong>dos", 2 "imbecis", 1 "homem com mente<br />

infantil", 2 "furiosos". Fala-se também em "desregramento" (5<br />

casos), "desarranjo" (1 caso); assi<strong>na</strong>la-se enfim um pensionista que<br />

tem "sentimentos extraordinários". Doze anos foram o bastante para<br />

que as três ou quatro categorias entre as quais se distribuía<br />

como<strong>da</strong>mente os insensatos (alie<strong>na</strong>ção, fraqueza de espírito,<br />

violência ou furor) se revelassem insuficientes para cobrir o domínio<br />

<strong>da</strong> <strong>loucura</strong>: as formas se multiplicam, os rostos se desdobram,<br />

distinguem-se os imbecis, os fracos de espírito, os velhos com mente<br />

de criança; não se faz mais confusão entre desarranjo,<br />

desregramento e sentimentos extraordinários. Permite-se mesmo que<br />

surja entre alie<strong>na</strong>dos e insensatos uma diferença que, para nós,<br />

permanece um enigma.<br />

A sensibili<strong>da</strong>de à <strong>loucura</strong>, outrora uniforme, abriu-se de repente,<br />

liberando uma nova atenção para tudo o que até então havia<br />

deslizado para a monotonia do insensato.<br />

Os loucos não são mais aqueles cuja diferença em relação aos<br />

outros é percebi<strong>da</strong> de imediato; são diferentes de um para outro,<br />

escondendo mal, sob o manto de desatino que os envolve, o segredo<br />

de paradoxais espécies. Em todo caso, a intrusão <strong>da</strong> diferença <strong>na</strong><br />

igual<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> é significativa; a razão deixa assim de situar-se<br />

em relação ao desatino numa exteriori<strong>da</strong>de que permite ape<strong>na</strong>s<br />

denunciá-lo; ela começa a introduzir-se neste sob esta forma<br />

reduzi<strong>da</strong> ao extremo, e no entanto decisiva, que é a não--<br />

semelhança, espécie de separação inicial em relação à identi<strong>da</strong>de.<br />

Apreendido numa percepção imediata, o desatino constituía, para a<br />

razão, uma diferença absoluta, mas diferença nivela<strong>da</strong> em si mesma<br />

por uma identi<strong>da</strong>de indefini<strong>da</strong>mente recomeça<strong>da</strong>. Mas eis que agora<br />

os múltiplos rostos <strong>da</strong> diferença começam a aparecer, formando um<br />

domínio onde a razão pode encontrar-se, já quase reconhecer-se. Dia<br />

virá em que, nessas diferenças classifica<strong>da</strong>s e objetivamente<br />

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