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A história da loucura na idade clássica

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espaços fechados do inter<strong>na</strong>mento. Tem to<strong>da</strong>s as virtudes atribuí<strong>da</strong>s<br />

ao ácido <strong>na</strong> química do século XVIII: suas fi<strong>na</strong>s partículas, cortantes<br />

como agulhas, penetram nos corpos e nos corações tão facilmente<br />

como se fossem partículas alcali<strong>na</strong>s, passivas e friáveis. Essa mistura<br />

logo entra em ebulição, soltando vapores nocivos e líquidos<br />

corrosivos:<br />

Essas salas representam ape<strong>na</strong>s um lugar horrível onde todos os crimes<br />

reunidos fermentam e por assim dizer espalham à sua volta, através <strong>da</strong><br />

fermentação, uma atmosfera contagiosa respira<strong>da</strong> pelos que o habitam e que<br />

parece apegar-se a eles... 7<br />

Esses vapores ferventes elevam-se a seguir, espalham-se pelo ar<br />

e acabam por cair <strong>na</strong>s vizinhanças, impreg<strong>na</strong>ndo os corpos,<br />

contami<strong>na</strong>ndo as almas. Realiza-se assim em imagens a idéia de um<br />

contágio do mal-podridão. O agente sensível dessa epidemia é o ar,<br />

ar que se diz "viciado", entendendo-se obscuramente com isso que<br />

não é um ar conforme com a pureza de sua <strong>na</strong>tureza, e que constitui<br />

o elemento de transmissão do vício 8 . Basta lembrar o valor,<br />

simultaneamente médico e moral, que mais ou menos <strong>na</strong> mesma<br />

época assumiu o ar dos campos (saúde do corpo, robustez <strong>da</strong> alma)<br />

para adivinhar todo o conjunto de significações contrárias que pode<br />

veicular o ar corrompido dos hospitais, <strong>da</strong>s prisões, <strong>da</strong>s casas de<br />

inter<strong>na</strong>mento. Ci<strong>da</strong>des inteiras são ameaça<strong>da</strong>s por essa atmosfera<br />

carrega<strong>da</strong> de vapores maléficos, e seus habitantes serão<br />

impreg<strong>na</strong>dos lentamente pela podridão e pelo vício.<br />

E não se trata aqui ape<strong>na</strong>s de reflexões a meio caminho entre a<br />

moral e a medici<strong>na</strong>. Deve-se levar em conta, sem dúvi<strong>da</strong>, to<strong>da</strong> uma<br />

literatura, to<strong>da</strong> uma exploração patética, talvez política, de temores<br />

mal definidos. Mas em certas ci<strong>da</strong>des há movimentos de pânico tão<br />

reais, tão fáceis de <strong>da</strong>tar quanto as crises de assombro que por<br />

momentos sacudiram a I<strong>da</strong>de Média. Em 1780, espalhara-se uma<br />

epidemia por Paris: atribuía-se sua origem à infecção do Hospital<br />

Geral, falava-se mesmo em queimar as construções de Bicêtre. O<br />

tenente de polícia, diante <strong>da</strong> inquietação <strong>da</strong> população, man<strong>da</strong> uma<br />

comissão de inquérito que compreende, além de vários doutores<br />

regentes, o decano <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de e o médico do Hospital Geral.<br />

7 MUSQUINET DE LA PAGNE, Bicêtre réformé, Paris, 1790, p. 16.<br />

8 Este tema está ligado aos problemas de química e higiene colocados pela<br />

respiração, tal como se estu<strong>da</strong> nessa mesma época. Cf. HALES, A description<br />

of ventilators, Londres, 1743. LAVOISIER, Altérations qu'éprouve l'air respiré,<br />

1785, ira Oeuvres, 1862, II, pp. 676-687.<br />

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