15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Acostumamo-nos agora a ver <strong>na</strong> <strong>loucura</strong> uma que<strong>da</strong> num<br />

determinismo onde se abolem progressivamente to<strong>da</strong>s as formas <strong>da</strong><br />

liber<strong>da</strong>de; ela só nos mostra agora as regulari<strong>da</strong>des <strong>na</strong>turais de<br />

um determinismo, com o encadeamento de suas causas e o<br />

movimento discursivo de suas formas, pois a única ameaça que a<br />

<strong>loucura</strong> faz ao homem moderno é esse retorno ao mundo tépido<br />

dos animais e <strong>da</strong>s coisas, a sua liber<strong>da</strong>de impedi<strong>da</strong>. Não é neste<br />

horizonte <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza que os séculos XVII e XVIII reconhecem a<br />

<strong>loucura</strong>, mas sobre um fundo de desatino; ela não desven<strong>da</strong> um<br />

mecanismo; revela antes uma liber<strong>da</strong>de que se abate sobre as<br />

formas monstruosas <strong>da</strong> animali<strong>da</strong>de. Não entendemos mais o<br />

desatino, em nossos dias, a não ser em sua forma epitética: o<br />

Despropositado, cujo indício afeta o comportamento ou os<br />

propósitos e trai, aos olhos do profano, a presença <strong>da</strong> lou cura e<br />

todo seu cortejo patológico; o despropositado é, para nós, ape<strong>na</strong>s<br />

um dos modos de aparecimento <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. Pe lo contrário, o<br />

desatino, para o Classicismo, tem um valor nomi<strong>na</strong>l: forma uma<br />

espécie de função substancial. É em relação a ele, e ape<strong>na</strong>s a<br />

ele, que se pode compreender a <strong>loucura</strong>. O desatino é o suporte<br />

<strong>da</strong> <strong>loucura</strong>; digamos, melhor, que ele define o espaço de sua<br />

possibili<strong>da</strong>de. Para o homem clássico, a <strong>loucura</strong> não é condição<br />

<strong>na</strong>tural, a raiz psicológica e huma<strong>na</strong> do desati no; ela é ape<strong>na</strong>s a<br />

forma empírica. E o louco, percorrendo até o furor <strong>da</strong><br />

animali<strong>da</strong>de a curva <strong>da</strong> degra<strong>da</strong>ção huma<strong>na</strong>, desven<strong>da</strong> esse<br />

fundo de desatino que ameaça o homem e que envolve, de há<br />

muito, to<strong>da</strong>s as formas de sua existência <strong>na</strong>tural. Não se trata<br />

mais de um deslizar para um determinismo, mas <strong>da</strong> abertura para<br />

uma noite. Mais que qualquer outra coisa, melhor que nosso<br />

positivismo em todo caso, o racio<strong>na</strong>lismo clássico soube como<br />

zelar (e perceber o perigo subterrâneo do desatino) por esse<br />

espaço ameaçador de uma liber<strong>da</strong>de absoluta.<br />

Se o homem contemporâneo, a partir de Nietzsche e Freud,<br />

encontra no fundo de si mesmo o ponto de contesta ção de to<strong>da</strong><br />

ver<strong>da</strong>de, podendo ler, o que ele agora sabe de si mesmo, os indícios<br />

de fragili<strong>da</strong>de através dos quais o desatino é uma ameaça, o homem do<br />

século XVII, pelo contrário, descobre, <strong>na</strong> presença imediata de seu<br />

pensamento em si mesmo, a certeza <strong>na</strong> qual se enuncia a razão em sua<br />

forma primeira. Mas isso não significa que o homem clássico estava,<br />

com sua experiência <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, mais afastado do desatino que nós. É<br />

178

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!