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A história da loucura na idade clássica

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Esta experiência de uma escolha e de uma liber<strong>da</strong>de,<br />

contemporâneas <strong>da</strong> razão, estabelece com uma clareza evidente para<br />

o homem clássico uma continui<strong>da</strong>de que se estende sem rupturas ao<br />

longo do desatino: desordem nos costumes e desordem do espírito,<br />

<strong>loucura</strong> ver<strong>da</strong>deira e simula<strong>da</strong>, delírios e mentiras pertencem, no fundo,<br />

à mesma terra <strong>na</strong>tal e têm direito ao mesmo tratamento.<br />

No entanto, não se deve esquecer que os "insanos" têm,<br />

enquanto tais, um lugar particular no mundo do inter<strong>na</strong>mento. Seu<br />

estatuto não se resume ao fato de serem tratados como prisioneiros.<br />

Na sensibili<strong>da</strong>de geral ao desatino existe como que uma modulação<br />

particular que diz respeito à <strong>loucura</strong> propriamente dita e que se dirige<br />

àqueles denomi<strong>na</strong>dos, sem distinção semântica precisa, insanos,<br />

espíritos alie<strong>na</strong>dos, ou desorde<strong>na</strong>dos, extravagantes, pessoas em<br />

demência.<br />

Esta forma particular <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de desenha o rosto próprio <strong>da</strong><br />

<strong>loucura</strong> no mundo do desatino. Ela diz respeito, em primeiro lugar, ao<br />

escân<strong>da</strong>lo. Em sua forma mais geral, o inter<strong>na</strong>mento se explica ou,<br />

em todo caso, se justifica pela vontade de evitar o escân<strong>da</strong>lo. Indica<br />

mesmo, além disso, uma mu<strong>da</strong>nça importante <strong>na</strong> consciência do mal. A<br />

Re<strong>na</strong>scença tinha deixado vir livremente à luz do dia as formas do<br />

desatino; a exposição pública <strong>da</strong>va ao mal um poder de exemplo e de<br />

resgate. Gilles de Rais, acusado no século XV de ter sido e de ser<br />

herético, relapso, sortílego, sodomita, invocador de maus espíritos,<br />

adivinho, assassino de inocentes, apóstata <strong>da</strong> fé, idólatra, mal que leva ao<br />

desvio <strong>da</strong> fé 17 ,<br />

acaba por confessar ele mesmo esses crimes, "que são<br />

suficientes para fazer morrer 10.000 pessoas" numa confissão<br />

extrajudiciária. Recomeça sua confissão em latim diante do tribu<strong>na</strong>l,<br />

depois solicita, ele mesmo, que<br />

como a maior parte dos assistentes ignorava o latim, que a dita confissão<br />

fosse publica<strong>da</strong> em língua vulgar e a eles exibi<strong>da</strong>, para sua vergonha, a<br />

publicação e a confissão dos ditos delitos perpetrados a fim de obter mais<br />

facilmente a remissão de seus pecados e o favor de Deus para a abolição dos<br />

pecados por ele cometidos 18 .<br />

17 Art. 41 do auto de acusação, trad. francesa cita<strong>da</strong> por HERNANDEZ, Le Procès<br />

inquisitorial de Gilles de Rais, Paris, 1922.<br />

18 Sexta sessão do processo, in Procès de Ciliar de Rais, Paris, 1959, p. 232.<br />

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