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A história da loucura na idade clássica

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quando algum pesar vem abater seu ânimo:<br />

Quando as mulheres me consultam sobre alguma doença cuja <strong>na</strong>tureza<br />

não sei determi<strong>na</strong>r, pergunto se o mal de que se queixam não se faz<br />

sentir quando se sentem pesarosas; ...se confessam que sim, tenho ple<strong>na</strong><br />

certeza de que a doença é uma afecção histérica 90 .<br />

E eis, numa nova fórmula, a velha intuição moral que fizera <strong>da</strong><br />

matriz, desde Hipócrates e Platão, um animal vivo e eter<strong>na</strong>mente<br />

móvel e organizara a disposição espacial de seus movimentos; esta<br />

intuição percebia <strong>na</strong> histeria a agitação irreprimível dos desejos<br />

<strong>da</strong>queles que não têm a possibili<strong>da</strong>de de satisfazê-los nem a força de<br />

dominá-los; a imagem do órgão feminino que subia até ao peito e à<br />

cabeça <strong>da</strong>va uma expressão mítica a uma transformação <strong>na</strong> grande<br />

tripartição platônica e <strong>na</strong> hierarquia que devia fixar-lhe a imobili<strong>da</strong>de.<br />

Em Sydenham, nos discípulos de Descartes, a intuição moral é<br />

idêntica; mas a paisagem espacial <strong>na</strong> qual ela vem exprimir-se<br />

mudou; a ordem vertical e hierática de Platão foi substituí<strong>da</strong> por um<br />

volume, que é percorrido por incessantes móveis cuja desordem não<br />

é mais exatamente revolução de baixo para cima, mas turbilhão sem<br />

lei num espaço transtor<strong>na</strong>do. Esse "corpo interior" que Sydenham<br />

procurava penetrar com "os olhos do espírito" não é o corpo objetivo<br />

que se oferece ao olhar pálido de uma observação neutraliza<strong>da</strong>; é o<br />

lugar onde vêem encontrar-se uma certa maneira de imagi<strong>na</strong>r o<br />

corpo, de decifrar seus movimentos interiores — e uma certa maneira<br />

de aí investir valores morais. O devir se realiza, o trabalho se faz ao<br />

nível dessa percepção ética. É nela que se vêm curvar as imagens,<br />

sempre dobráveis, <strong>da</strong> teoria médica; é nela igualmente que os<br />

grandes temas morais conseguem formular e aos poucos alterar sua<br />

figura inicial.<br />

Esse corpo penetrável deve, no entanto, ser um corpo contínuo.<br />

A dispersão do mal através dos órgãos é ape<strong>na</strong>s o outro lado de um<br />

movimento de propagação que lhe permite passar de um para outro e<br />

afetá-los sucessivamente. Se corpo do doente hipocondríaco ou<br />

histérico é um corpo poroso, separado de si mesmo, afrouxado pela<br />

invasão do mal, esta invasão só pode efetuar-se graças ao apoio de<br />

uma certa continui<strong>da</strong>de espacial. O corpo no qual circula a doença<br />

deve ter outras proprie<strong>da</strong>des diferentes <strong>da</strong>s do corpo no qual<br />

90 SYDENHAM, op. cit., p. 394.<br />

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