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A história da loucura na idade clássica

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coações <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza.<br />

A velha aldeia de Gheel, que, desde o fim <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média, era<br />

testemunho ain<strong>da</strong> do parentesco, agora esquecido, entre o<br />

inter<strong>na</strong>mento dos loucos e a exclusão dos leprosos, recebe assim nos<br />

últimos anos do século XVIII uma brusca reinterpretação. Aquilo que,<br />

nela, marcava to<strong>da</strong> a separação violenta, patética, entre o mundo dos<br />

loucos e o mundo dos homens, ostenta agora os valores idílicos <strong>da</strong><br />

uni<strong>da</strong>de reencontra<strong>da</strong> entre o desatino e a <strong>na</strong>tureza. Essa aldeia<br />

significava outrora que os loucos eram encurralados, e que com isso<br />

o homem com razão ficava protegido. Ela manifesta agora que o<br />

louco está livre e que, nessa liber<strong>da</strong>de que o põe em pé de igual<strong>da</strong>de<br />

com as leis <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza, ela se ajusta ao homem racio<strong>na</strong>l. Em Gheel,<br />

segundo o quadro traçado por Jouy,<br />

quatro quintos dos habitantes são loucos, mas loucos <strong>na</strong> completa<br />

acepção <strong>da</strong> palavra, e gozam sem inconvenientes <strong>da</strong> mesma liber<strong>da</strong>de que<br />

os outros ci<strong>da</strong>dãos... Alimentos sadios, ar puro, todo o aparato <strong>da</strong><br />

liber<strong>da</strong>de, tal é o regime que lhes é prescrito e ao qual a maioria deve, ao<br />

fim de um ano, sua cura 103 .<br />

Sem que <strong>na</strong><strong>da</strong> ain<strong>da</strong> tenha mu<strong>da</strong>do <strong>na</strong>s instituições, o sentido <strong>da</strong><br />

exclusão e do inter<strong>na</strong>mento começa a alterar-se. Lentamente assume<br />

valores positivos, e o espaço neutro, vazio, noturno, no qual se<br />

restituía outrora o desatino ao seu <strong>na</strong><strong>da</strong>, começa a povoar-se com<br />

uma <strong>na</strong>tureza à qual a <strong>loucura</strong>, liberta<strong>da</strong>, está obriga<strong>da</strong> a submeterse.<br />

O inter<strong>na</strong>mento, como separação entre a razão e o desatino, não<br />

é suprimido, mas, no próprio interior de seus propósitos, o espaço<br />

por ele ocupado deixa transparecer poderes <strong>na</strong>turais, mais<br />

constrangedores para a <strong>loucura</strong>, mais adequados para submetê-la em<br />

sua essência que todo o velho sistema limitativo e repressivo. Desse<br />

sistema é preciso libertar a <strong>loucura</strong> para que, no espaço do<br />

inter<strong>na</strong>mento, agora carregado de eficácia positiva, ela seja livre para<br />

despojar-se de sua selvagem liber<strong>da</strong>de e acolher as exigências <strong>da</strong><br />

<strong>na</strong>tureza que são para ela ao mesmo tempo ver<strong>da</strong>de e lei. Enquanto<br />

lei, a <strong>na</strong>tureza coage a violência do desejo. Enquanto ver<strong>da</strong>de, reduz<br />

a contra<strong>na</strong>tureza e todos os fantasmas do imaginário.<br />

Pinel assim descreve essa <strong>na</strong>tureza, a respeito do hospital de<br />

Saragoça: estabelece-se nele<br />

103 Cit. por ESQUIROL, Des maladies mentales, II, p. 294.<br />

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