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A história da loucura na idade clássica

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Com o espaço do inter<strong>na</strong>mento assim habitado por valores novos<br />

e por todo um movimento que lhe era desconhecido, a medici<strong>na</strong><br />

poderá, e só agora, apossar-se do asilo e chamar para si to<strong>da</strong>s as<br />

experiências <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. Não é o pensamento médico que forçou as<br />

portas do inter<strong>na</strong>mento; se os médicos hoje rei<strong>na</strong>m no asilo, não é<br />

por um direito de conquista, graças à força viva de sua filantropia ou<br />

de sua preocupação com a objetivi<strong>da</strong>de científica. É porque o próprio<br />

inter<strong>na</strong>mento aos poucos assumiu um valor terapêutico, e isso<br />

através do reajustamento de todos os gestos sociais ou políticos, de<br />

todos os ritos, imaginários ou morais, que desde mais de um século<br />

haviam conjurado a <strong>loucura</strong> e o desatino.<br />

O inter<strong>na</strong>mento mu<strong>da</strong> de figura. Mas no complexo que com ele<br />

constitui, onde uma divisão rigorosa nunca é possível, a <strong>loucura</strong> por<br />

sua vez se altera. Ela reata, com essa semiliber<strong>da</strong>de que lhe é<br />

ofereci<strong>da</strong>, não sem comedimento, com o tempo no qual ela<br />

transcorre, com os olhares enfim que a vigiam e delimitam, novas<br />

relações. Ela necessariamente constitui um corpo único com esse<br />

mundo fechado, que é ao mesmo tempo para ela sua ver<strong>da</strong>de e sua<br />

mora<strong>da</strong>. Por uma recorrência, que só é estranha se se pensar a<br />

<strong>loucura</strong> <strong>na</strong>s práticas que a desig<strong>na</strong>m e lhe dizem respeito, sua<br />

situação transforma-se em <strong>na</strong>tureza; suas coações assumem o<br />

sentido de um determinismo, e a linguagem que a fixa assume a voz<br />

de uma ver<strong>da</strong>de que falaria de si mesma.<br />

O gênio de Cabanis, e os textos que escreveu em 1791 29 ,<br />

situam-se nesse momento decisivo, e ao mesmo tempo equívoco,<br />

onde a perspectiva oscila: aquilo que era reforma social do<br />

inter<strong>na</strong>mento tor<strong>na</strong>-se fideli<strong>da</strong>de às ver<strong>da</strong>des profun<strong>da</strong>s <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>; e<br />

a maneira pela qual se alie<strong>na</strong> o louco deixa-se esquecer para<br />

reaparecer como <strong>na</strong>tureza <strong>da</strong> alie<strong>na</strong>ção. O inter<strong>na</strong>mento está em vias<br />

de orde<strong>na</strong>r-se pelas formas que fez surgir.<br />

O problema <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> não é mais encarado do ponto de vista <strong>da</strong><br />

29 1791. Relatório dirigido ao departamento de Paris por um de seus membros a<br />

respeito do estado <strong>da</strong>s loucas em Salpêtrière e adoção de um projeto de<br />

regulamento sobre a admissão dos loucos. Este texto é citado in extenso, sem<br />

o nome do autor, por TUETEY, L'Assistance publique à Paris pen<strong>da</strong>nt la<br />

Rivolution. Documents inédits, III, pp. 489-5V6. E em grande parte retomado<br />

<strong>na</strong>s Vues sue les secours publics, 1798.<br />

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