15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

oposto — e aqui a presença de Couthon é outra vez indispensável —<br />

aos mitos <strong>da</strong> Revolução, tais como são formulados após o Terror: a<br />

república convencio<strong>na</strong>l é uma república de violências, de paixões, de<br />

selvageria — é ela que, sem saber, reúne to<strong>da</strong>s as formas do<br />

insensato e do desatino; quanto à república que se constitui<br />

espontaneamente entre esses loucos abando<strong>na</strong>dos à sua própria<br />

violência, ela está isenta de paixões, é a ci<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s obediências<br />

essenciais. Couthon é o próprio símbolo dessa "má liber<strong>da</strong>de" que<br />

provocou paixões no povo e suscitou a tirania <strong>da</strong> Salvação Pública —<br />

liber<strong>da</strong>de em nome <strong>da</strong> qual os loucos são deixados acorrentados;<br />

Pinel é o símbolo <strong>da</strong> "boa liber<strong>da</strong>de", aquela que, libertando os mais<br />

violentos, doma suas paixões e os introduz no mundo calmo <strong>da</strong>s<br />

virtudes tradicio<strong>na</strong>is. Entre o povo de Paris, que vai a Bicêtre exigir<br />

os inimigos <strong>da</strong> <strong>na</strong>ção, e o sol<strong>da</strong>do Chevingé, que salva a vi<strong>da</strong> de<br />

Pinel, o mais insensato e o menos livre não é aquele que havia ficado<br />

preso durante anos por bebedeira, delírio e violência.<br />

O mito de Pinel, como o de Tuke, oculta todo um movimento<br />

discursivo que vale ao mesmo tempo como descrição <strong>da</strong> alie<strong>na</strong>ção e<br />

análise de sua supressão:<br />

1. No relacio<strong>na</strong>mento desumano e animal que impunha o<br />

inter<strong>na</strong>mento clássico, a <strong>loucura</strong> não enunciava sua ver<strong>da</strong>de moral.<br />

2. Essa ver<strong>da</strong>de, a partir do momento em que lhe é permitido<br />

aparecer, se revela um relacio<strong>na</strong>mento humano em to<strong>da</strong> sua<br />

ideali<strong>da</strong>de virtuosa: heroísmo, fideli<strong>da</strong>de, sacrifício, etc.<br />

3. Ora, a <strong>loucura</strong> é vício, violência, mal<strong>da</strong>de, como bem<br />

demonstra a raiva dos revolucionários.<br />

4. A liberação no inter<strong>na</strong>mento, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que é reedificação<br />

de uma socie<strong>da</strong>de sobre o tema <strong>da</strong> conformi<strong>da</strong>de aos tipos, não pode<br />

deixar de curar.<br />

O mito do Retiro e o dos acorrentados libertados se<br />

correspondem termo a termo numa oposição imediata. Um faz<br />

prevalecer todos os temas <strong>da</strong> primitivi<strong>da</strong>de, o outro põe em.<br />

circulação as imagens transparentes <strong>da</strong>s virtudes sociais. Um vai<br />

procurar a ver<strong>da</strong>de e a supressão <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> no ponto em que o<br />

homem mal se destaca <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza; o outro as exige antes de uma<br />

espécie de perfeição social, de funcio<strong>na</strong>mento ideal <strong>da</strong>s relações<br />

523

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!