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A história da loucura na idade clássica

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leis morais: a ética, como escolha contra o desatino, está presente<br />

desde o começo em todo pensamento orde<strong>na</strong>do, e sua superfície,<br />

indefini<strong>da</strong>mente prolonga<strong>da</strong> ao longo de sua reflexão, indica a<br />

trajetória de uma liber<strong>da</strong>de que é a própria iniciativa <strong>da</strong> razão.<br />

Na era <strong>clássica</strong>, a razão <strong>na</strong>sce no espaço <strong>da</strong> ética. E é isso,<br />

sem dúvi<strong>da</strong>, que dá ao re<strong>na</strong>scimento <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> nessa época — ou, se<br />

se preferir, ao seu não-re<strong>na</strong>scimento — seu estilo particular. To<strong>da</strong><br />

<strong>loucura</strong> oculta uma opção, assim como to<strong>da</strong> razão oculta uma<br />

escolha livremente reali za<strong>da</strong>. Isto pode ser percebido no imperativo<br />

insistente <strong>da</strong> dúvi<strong>da</strong> cartesia<strong>na</strong>, mas a própria escolha, este<br />

movimento constitutivo <strong>da</strong> razão no qual o desatino é livremente<br />

excluído, se desenvolve <strong>na</strong> reflexão de Spinoza e nos es forços<br />

i<strong>na</strong>cabados <strong>da</strong> Réforme de l'entendement. Aí, a razão se afirma<br />

antes de mais <strong>na</strong><strong>da</strong> como decisão contra todo o desatino do<br />

mundo, <strong>na</strong> clara consciência de que "to<strong>da</strong>s as ocorrências mais<br />

freqüentes <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> comum são vãs e fúteis"; trata-se portanto de<br />

partir em busca de um bem "cuja descoberta e posse tivessem por<br />

fruto uma eterni<strong>da</strong>de de alegria contínua e sobera<strong>na</strong>". Espécie de<br />

aposta ética que será venci<strong>da</strong> quando se descobrir que o exercício<br />

<strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de se realiza <strong>na</strong> plenitude concreta <strong>da</strong> razão que, por sua<br />

união com a <strong>na</strong>tureza considera<strong>da</strong> em sua totali <strong>da</strong>de, é ac esso a<br />

uma <strong>na</strong>tureza superior.<br />

Qual é então essa <strong>na</strong>tureza? Mostraremos que ela é o conhecimento <strong>da</strong> união<br />

que a alma pensante tem com to<strong>da</strong> a <strong>na</strong>tureza 16 .<br />

A liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aposta termi<strong>na</strong> assim numa uni<strong>da</strong>de onde ela<br />

desaparece como escolha e se realiza como neces si<strong>da</strong>de <strong>da</strong> razão.<br />

Mas esta realização só foi possível sobre o fundo constituído pela<br />

<strong>loucura</strong> conjura<strong>da</strong>, e até o fim ela manifesta o perigo incessante<br />

desta. No século XIX, a razão procurará situar-se com relação ao<br />

desatino <strong>na</strong> base de uma necessi<strong>da</strong>de positiva, e não mais no espaço<br />

livre de uma escolha. A partir <strong>da</strong>í, a recusa <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> não será<br />

mais uma exclusão ética, mas sim uma distância já concedi<strong>da</strong>; a<br />

razão não terá mais de distinguir -se <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, mas de<br />

reconhecer-se como tendo sido sempre anterior a ela, mesmo que<br />

lhe aconteça de alie<strong>na</strong>r-se nela. Mas enquanto o Classicismo<br />

mantém essa escolha fun<strong>da</strong>mental como condição do exercício <strong>da</strong><br />

16 Réforme de l´entendement, trad. APPUHN, Oeuvres de Spinoza, Garuer, 1, p.<br />

228-229.<br />

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