15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

consiste <strong>na</strong> adequação dos relacio<strong>na</strong>mentos que se vêem tanto entre tis<br />

objetos morais quanto entre esses objetos e nós.<br />

Haverá uma forma de <strong>loucura</strong> que consistirá <strong>na</strong> per<strong>da</strong> desses<br />

relacio<strong>na</strong>mentos. Ê o caso <strong>da</strong>s <strong>loucura</strong>s do caráter, <strong>da</strong> conduta e <strong>da</strong>s<br />

paixões:<br />

Assim, são <strong>loucura</strong>s todos os defeitos de nosso espírito, to<strong>da</strong>s as ilusões<br />

do amor-próprio e to<strong>da</strong>s nossas paixões quando leva<strong>da</strong>s até a cegueira,<br />

pois a cegueira é a característica distintiva <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> 71 .<br />

Cegueira: palavra <strong>da</strong>s que mais se aproximam <strong>da</strong> essência <strong>da</strong><br />

<strong>loucura</strong> <strong>clássica</strong>. Ela fala dessa noite de um quase--sono que envolve<br />

as imagens <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, atribuindo-lhes, em seu isolamento, uma<br />

invisível soberania; mas fala também de crenças mal fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>s,<br />

juízos que se enga<strong>na</strong>m, de todo esse pano de fundo de erros<br />

inseparável <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. O discurso fun<strong>da</strong>mental do delírio, em seus<br />

poderes constituintes, revela assim aquilo pelo que, apesar <strong>da</strong>s<br />

a<strong>na</strong>logias <strong>da</strong> forma, apesar do rigor de seu sentido, ele não mais é<br />

discurso <strong>da</strong> razão. Ele falava, mas <strong>na</strong> noite <strong>da</strong> cegueira; era mais que<br />

o texto frouxo e desorde<strong>na</strong>do de um sonho, uma vez que se<br />

enga<strong>na</strong>va; contudo, era mais do que uma proposição errônea, uma<br />

vez que estava mergulhado nessa obscuri<strong>da</strong>de global que é a do<br />

sono. O delírio como princípio <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> é um sistema de<br />

proposições falsas <strong>na</strong> sintaxe geral do sonho.<br />

A <strong>loucura</strong> encontra-se exatamente no ponto de contato entre o<br />

onírico e o erro; ela percorre, em suas variações, a superfície em que<br />

ambos se defrontam, a mesma que ao mesmo tempo os separa e<br />

une. Com o erro, ela tem em comum a não-ver<strong>da</strong>de e o arbitrário <strong>na</strong><br />

afirmação ou <strong>na</strong> negação; ao sonho ela toma de empréstimo a<br />

ascensão <strong>da</strong>s imagens e a presença colori<strong>da</strong> dos fantasmas. Mas<br />

enquanto o erro é ape<strong>na</strong>s uma não-ver<strong>da</strong>de, enquanto o sonho não<br />

afirma nem julga, a <strong>loucura</strong> enche de imagens o vazio do erro e une<br />

os fantasmas através <strong>da</strong> afirmação do falso. Num certo sentido ela é,<br />

portanto, plenitude, acrescentando às figuras <strong>da</strong> noite os poderes do<br />

dia, às formas <strong>da</strong> fantasia a ativi<strong>da</strong>de do espírito desperto; liga<br />

conteúdos obscuros às formas <strong>da</strong> clareza. Mas esta plenitude não é,<br />

<strong>na</strong> ver<strong>da</strong>de, o máximo do vazio? A presença <strong>da</strong>s imagens, de fato,<br />

oferece ape<strong>na</strong>s fantasmas cercados pela noite, figuras marca<strong>da</strong>s num<br />

canto do sono, portanto isola<strong>da</strong>s de to<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de sensível; por mais<br />

71 Encyclopédie, verbete «Loucura».<br />

268

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!