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A história da loucura na idade clássica

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em seu meio e mesmo entre seus guardiães. Quando entra no Retiro<br />

está totalmente acorrentado, algemado, e as roupas amarra<strong>da</strong>s com<br />

cor<strong>da</strong>s. Assim que chega, todos os entraves lhe são retirados, e faz-<br />

se com que jante com os vigilantes: sua agitação logo cessa, "sua<br />

atenção parecia cativa<strong>da</strong> por sua nova situação". É levado para seu<br />

quarto; o intendente lhe dirige uma exortação para explicar-lhe que<br />

to<strong>da</strong> a casa está organiza<strong>da</strong> para a maior liber<strong>da</strong>de e conforto de<br />

todos, que não lhe imporão nenhuma coação, com a condição de que<br />

ele não infrinja os regulamentos <strong>da</strong> casa ou os princípios gerais <strong>da</strong><br />

moral huma<strong>na</strong>. De seu lado, o intendente afirma que não deseja<br />

fazer uso dos meios de coação à sua disposição. "O maníaco<br />

mostrou-se sensível à suavi<strong>da</strong>de desse tratamento. Prometeu coibirse<br />

a si próprio." Acontecia-lhe ain<strong>da</strong> de agitar-se, vociferar e assustar<br />

seus companheiros. O intendente lembrava-lhe as ameaças e<br />

promessas do primeiro dia: se não se acalmasse, seriam obrigados a<br />

voltar as antigas sevícias. A agitação do doente aumentava então<br />

durante um certo tempo, depois decli<strong>na</strong>va rapi<strong>da</strong>mente.<br />

Ouvia com atenção as exortações de seu amistoso visitante. Após várias<br />

conversas do gênero, o doente em geral ficava em melhores condições<br />

durante vários dias.<br />

Ao fi<strong>na</strong>l de quatro meses, deixou o Retiro, inteiramente curado 38 .<br />

Aqui, o medo dirige-se ao doente de modo direto, não através de<br />

instrumentos, mas num discurso; não se trata de limitar uma<br />

liber<strong>da</strong>de que devasta, mas de delimitar e exaltar uma região de<br />

responsabili<strong>da</strong>de simples, onde to<strong>da</strong> manifestação <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> se verá<br />

liga<strong>da</strong> a um castigo. A obscura culpabili<strong>da</strong>de que outrora ligava falta<br />

e desatino é assim desloca<strong>da</strong>; o louco, enquanto ser humano<br />

origi<strong>na</strong>riamente dotado de razão, não é mais capaz de ser louco; mas<br />

o louco, enquanto louco, e no interior dessa doença <strong>da</strong> qual não é<br />

mais culpado, deve sentir-se responsável por tudo aquilo que pode<br />

perturbar a moral e a socie<strong>da</strong>de e deve acusar a si mesmo pelos<br />

castigos que receber. A desig<strong>na</strong>ção <strong>da</strong> culpabili<strong>da</strong>de não é mais o<br />

modo de relacio<strong>na</strong>mento que se instaura entre o louco e o homem<br />

razoável em sua generali<strong>da</strong>de; ela se tor<strong>na</strong> ao mesmo tempo a forma<br />

de coexistência concreta de ca<strong>da</strong> louco com seu guardião e a forma<br />

de consciência que o alie<strong>na</strong>do deve ter de sua própria <strong>loucura</strong>.<br />

Portanto, é preciso reavaliar as significações atribuí<strong>da</strong>s à obra de<br />

38 TUKE, loc. cit., pp. 146-147.<br />

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