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A história da loucura na idade clássica

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preconceitos que possa estar, por mais distancia<strong>da</strong> de to<strong>da</strong>s as<br />

formas de coação e de repressão, ela é sempre uma certa maneira de<br />

já ter domi<strong>na</strong>do a <strong>loucura</strong>. Sua recusa em qualificar a <strong>loucura</strong><br />

pressupõe sempre uma certa consciência qualitativa de si mesma<br />

como não sendo <strong>loucura</strong>; só é uma simples percepção <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em<br />

que esta oposição é sub-reptícia: "Não podemos estar loucos porque<br />

outros já o estiveram", dizia Blake 4 . Mas não nos devemos deixar<br />

iludir por esta aparente anteriori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> dos outros: ela<br />

aparece, no tempo, carrega<strong>da</strong> de antigui<strong>da</strong>de porque, para além de<br />

to<strong>na</strong> memória possível, a consciência de não ser louco já havia<br />

espalhado sua calma intemporal: "As horas <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> são medi<strong>da</strong>s<br />

pelo relógio, mas as <strong>da</strong> sabedoria nenhum relógio pode medir" 5 .<br />

4. Uma consciência a<strong>na</strong>lítica <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, consciência isola<strong>da</strong> de<br />

suas formas, de seus fenômenos, de seus modos de aparecimento.<br />

Sem dúvi<strong>da</strong>, o conjunto dessas formas e desses fenômenos nunca<br />

está presente nessa consciência; durante muito tempo, e talvez para<br />

sempre, a <strong>loucura</strong> ocultará a parte essencial de seus poderes e suas<br />

ver<strong>da</strong>des no mal conhecido, mas é nesta consciência a<strong>na</strong>lítica que ela<br />

alcança a tranqüili<strong>da</strong>de do bem sabido. Ain<strong>da</strong> que de fato não se<br />

consiga nunca esgotar seus fenômenos e suas causas, ela pertence<br />

de pleno direito ao olhar que a domi<strong>na</strong>. A <strong>loucura</strong> é, aí, ape<strong>na</strong>s a<br />

totali<strong>da</strong>de pelo menos virtual de seus fenômenos; não comporta mais<br />

nenhum perigo, não implica mais nenhuma divisão; não pressupõe<br />

mesmo nenhum outro recuo além do existente em qualquer outro<br />

objeto do conhecimento. É esta forma de consciência que lança as<br />

bases de um saber objetivo <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>.<br />

Ca<strong>da</strong> uma dessas formas de consciência é ao mesmo tempo<br />

suficiente em si mesma e solidária com to<strong>da</strong>s as outras. Solidárias<br />

porque não podem deixar de apoiar-se sub-repticiamente umas <strong>na</strong>s<br />

outras; não há um saber <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, por mais objetivo que preten<strong>da</strong><br />

ser, por mais baseado que afirme estar <strong>na</strong>s formas do conhecimento<br />

científico e ape<strong>na</strong>s nelas, que não pressuponha, apesar de tudo, o<br />

movimento anterior de um debate crítico onde a razão se mede com<br />

a <strong>loucura</strong>, experimentando-a ao mesmo tempo <strong>na</strong> simples oposição e<br />

no perigo <strong>da</strong> reversibili<strong>da</strong>de imediata. Esse saber pressupõe também,<br />

como virtuali<strong>da</strong>de sempre presente em seu horizonte, uma partilha<br />

4 W. BLAKE, Le Mariage du ciei et de l´enfer, trad. A. Gide, p. 24.<br />

5 Idem, p. 20.<br />

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