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A história da loucura na idade clássica

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espécie de interiori<strong>da</strong>de que nunca se espalhava pelo exterior, que a<br />

mantinha num irredutível relacio<strong>na</strong>mento consigo mesma. Agora,<br />

to<strong>da</strong> <strong>loucura</strong> e o todo <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> deverão ter seu equivalente externo<br />

ou, melhor dizendo, a essência mesma <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> será objetivar o<br />

homem, escorraçá-lo para fora de si mesmo, estendê-lo fi<strong>na</strong>lmente<br />

ao nível de uma <strong>na</strong>tureza pura e simples, ao nível <strong>da</strong>s coisas. O fato<br />

de a <strong>loucura</strong> ser isso, de que ela possa ser to<strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong>de sem<br />

relação com uma ativi<strong>da</strong>de delirante central e oculta, era tão oposto<br />

ao espírito do século XVIII que a existência <strong>da</strong>s "<strong>loucura</strong>s sem delírio"<br />

ou <strong>da</strong>s "<strong>loucura</strong>s morais" constituiu uma espécie de escân<strong>da</strong>lo<br />

conceituai.<br />

Pinel pudera observar <strong>na</strong> Salpêtrière vários alie<strong>na</strong>dos que<br />

não exibiam em momento algum nenhuma lesão do entendimento, e que<br />

eram domi<strong>na</strong>dos por uma espécie de instinto de furor, como se as<br />

facul<strong>da</strong>des afetivas, e só elas, tivessem sido lesa<strong>da</strong>s 16 .<br />

Entre as "<strong>loucura</strong>s parciais", Esquirol abre um lugar particular<br />

para as que "não têm por característica a alteração <strong>da</strong> inteligência" e<br />

<strong>na</strong>s quais não se pode observar outra coisa além <strong>da</strong> "desordem <strong>na</strong>s<br />

ações" 17 . Segundo Dubuisson, os indivíduos atingidos por essa<br />

espécie de <strong>loucura</strong> "julgam, racioci<strong>na</strong>m e se comportam bem, mas<br />

são arrebatados pelo menor assunto, muitas vezes sem causa<br />

ocasio<strong>na</strong>l e somente por uma incli<strong>na</strong>ção irresistível e por uma espécie<br />

de perversão <strong>da</strong>s afecções morais, <strong>na</strong> direção de irritações maníacas,<br />

atos inspirados de violência, explosões de furor" 18 . É a essa noção<br />

que os autores ingleses, em segui<strong>da</strong> a Prichard, em 1835, <strong>da</strong>rão o<br />

nome de moral insanity. O próprio nome sob o qual a noção devia<br />

conhecer seu sucesso definitivo é prova suficiente <strong>da</strong> estranha<br />

ambigüi<strong>da</strong>de de sua estrutura: de um lado, trata-se de uma <strong>loucura</strong><br />

que não tem nenhum de seus signos <strong>na</strong> esfera <strong>da</strong> razão; neste<br />

sentido, ela é inteiramente oculta — <strong>loucura</strong> que tor<strong>na</strong> quase invisível<br />

a ausência de todo desatino, <strong>loucura</strong> transparente e incolor que<br />

existe e circula sub-repticiamente <strong>na</strong> alma do louco, interiori<strong>da</strong>de <strong>na</strong><br />

interiori<strong>da</strong>de — "não parecem alie<strong>na</strong>dos aos observadores superficiais<br />

... são por isso mais nocivos, mais perigosos" 19 — mas de outro lado,<br />

16 PINEL, Traité..., p. 156.<br />

17 ESQUIROL, Des maladies mentales, II, p. 335.<br />

18 Ain<strong>da</strong> em 1893, a Medico-psychological Association dedicará seu XXXV<br />

Congresso anual aos problemas <strong>da</strong> «Moral Insanity».<br />

19 U. TRÉLAT, La folie lucide, Prelimi<strong>na</strong>r, p. x.<br />

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