15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

estrutura essencial e constituinte que secretamente sustentara a<br />

<strong>loucura</strong> desde seus primeiros momentos. Este delírio tem um nome,<br />

Hermione, Hermione que ressurge não mais como uma visão<br />

aluci<strong>na</strong><strong>da</strong>, mas como ver<strong>da</strong>de última <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. É significativo que<br />

Hermione intervenha neste exato momento dos furores: não entre as<br />

Eumêni<strong>da</strong>s, nem à frente delas para guiá-las, mas atrás delas e<br />

separa<strong>da</strong> delas pela noite para a qual arrastaram Orestes e onde elas<br />

agora se dissipam. E que Hermione intervém como figura constituinte<br />

do delírio, como a ver<strong>da</strong>de que rei<strong>na</strong>va secretamente desde o começo<br />

e <strong>da</strong> qual as Eumêni<strong>da</strong>s eram ape<strong>na</strong>s, no fundo, as servas. Estamos<br />

aqui no oposto <strong>da</strong> tragédia grega, onde as Eríneas eram destino fi<strong>na</strong>l<br />

e ver<strong>da</strong>de que, desde a noite dos tempos, haviam espiado o herói; a<br />

paixão deste era ape<strong>na</strong>s o instrumento delas. Aqui, as Eumêni<strong>da</strong>s são<br />

ape<strong>na</strong>s figuras a serviço do delírio, ver<strong>da</strong>de primeira e última que já<br />

se desenhava <strong>na</strong> paixão e que agora se afirma em sua nudez. Esta<br />

ver<strong>da</strong>de impera sozinha, pondo de lado as imagens:<br />

"Mas não, retirem-se, deixem Hermione agir."<br />

Hermione, que esteve presente desde o começo, Hermione, que<br />

sempre dilacerou Orestes, dilacerando sua razão pe<strong>da</strong>ço a pe<strong>da</strong>ço,<br />

Hermione, por quem ele se tornou "parrici<strong>da</strong>, assassino, sacrílego",<br />

descobre-se enfim como ver<strong>da</strong>de e aperfeiçoamento de sua <strong>loucura</strong>.<br />

E o delírio, em seu rigor, <strong>na</strong><strong>da</strong> mais tem a dizer além de enunciar<br />

como decisão iminente uma ver<strong>da</strong>de há muito quotidia<strong>na</strong> e irrisória.<br />

"E enfim, trago-lhe meu coração para que o devore."<br />

Havia dias e anos que Orestes fizera esta oferen<strong>da</strong> selvagem.<br />

Mas este princípio de sua <strong>loucura</strong>, ele o enuncia agora como fim, pois<br />

a <strong>loucura</strong> não pode ir mais longe. Tendo dito sua <strong>loucura</strong> em seu<br />

delírio essencial, ela só pode agora mergulhar numa terceira noite,<br />

aquela <strong>da</strong> qual não há retorno, a <strong>da</strong> contínua devoração. O desatino<br />

só pode aparecer por um instante, no momento em que a linguagem<br />

penetra no silêncio, em que o próprio delírio se cala, em que o<br />

coração é enfim devorado.<br />

Também <strong>na</strong>s tragédias do começo do século XVII a <strong>loucura</strong> era o<br />

desenlace do drama; mas este desenlace era feito libertando a<br />

ver<strong>da</strong>de. Ela se abria ain<strong>da</strong> para uma linguagem, para uma<br />

linguagem renova<strong>da</strong>, a <strong>da</strong> explicação e do real reconquistado. Ela só<br />

275

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!