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A história da loucura na idade clássica

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única coisa que ele tem é uma vi<strong>da</strong> vegetativa, considerando-o eu como<br />

estando a meio caminho entre a planta e o animal.<br />

Não se poderia falar em demência a respeito de um ser não<br />

desti<strong>na</strong>do a ter, em seu sentido pleno, uma razão. Mas trata-se<br />

realmente de uma perturbação dos sentidos? A resposta não é fácil,<br />

pois<br />

ele tem olhos muito belos e que parecem sensíveis à luz; entretanto, an<strong>da</strong><br />

chocando-se com todos os móveis, às vezes ferindo-se; ouve barulhos, e<br />

mesmo sons agudos, como o de um assovio, o perturbam e assustam;<br />

mas nunca foi possível fazer com que aprendesse seu nome.<br />

Portanto, não são a vista ou a audição que foram afeta<strong>da</strong>s, mas<br />

esse órgão ou essa facul<strong>da</strong>de que organiza a sensação em percepção,<br />

fazendo de uma cor um objeto, de um som um nome.<br />

Esse defeito geral de todos os sentidos não parece provir de nenhum de<br />

seus órgãos exteriores, mas ape<strong>na</strong>s do órgão interior que os médicos<br />

modernos chamam sensorium commune, e que os antigos chamavam de<br />

alma sensitiva, feita para receber e confrontar as imagens que os sentidos<br />

transmitem; de modo que, nunca tendo sido possível a esse animal formar<br />

uma percepção, ele vê sem ver, ouve sem ouvir 20 .<br />

O que existe <strong>na</strong> alma ou <strong>na</strong> ativi<strong>da</strong>de do espírito mais próximo<br />

<strong>da</strong> sensação é como que paralisado pelo efeito <strong>da</strong> imbecili<strong>da</strong>de,<br />

enquanto <strong>na</strong> demência o que é perturbado é o funcio<strong>na</strong>mento <strong>da</strong><br />

razão, no que ela pode ter de mais livre, de mais isolado <strong>da</strong><br />

sensação.<br />

E, ao fi<strong>na</strong>l do século XVIII, imbecili<strong>da</strong>de e demência se<br />

distinguirão não mais tanto pela precoci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> oposição entre elas,<br />

nem mesmo pela facul<strong>da</strong>de atingi<strong>da</strong>, como pelas quali<strong>da</strong>des que lhes<br />

pertencem e que coman<strong>da</strong>rão em segredo o conjunto de suas<br />

manifestações. Para Pinel, a diferença entre imbecili<strong>da</strong>de e demência<br />

é, em suma, a que existe entre imobili<strong>da</strong>de e movimento. No idiota,<br />

há uma paralisia, uma sonolência de "to<strong>da</strong>s as funções do<br />

entendimento e <strong>da</strong>s afecções morais"; seu espírito permanece<br />

imobilizado numa espécie de estupor. Na demência, pelo contrário, as<br />

funções essenciais do espírito pensam, mas pensam no vazio e, por<br />

conseguinte, com extrema volubili<strong>da</strong>de. A demência é como um<br />

movimento puro do espírito, sem consistência nem insistência, uma<br />

fuga eter<strong>na</strong> que o tempo não consegue reter <strong>na</strong> memória: "Sucessão<br />

20 Artigo anônimo publicado <strong>na</strong> Gazette de médecine, III, n. 12, quarta-feira, 10<br />

de fevereiro de 1762, pp. 89-92.<br />

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