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A história da loucura na idade clássica

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sujeito de direito; essa antiga estrutura, ao tor<strong>na</strong>r-se forma de<br />

coexistência, entrega-o totalmente, como sujeito psicológico, à<br />

autori<strong>da</strong>de e ao prestígio do homem de razão, que para ele assume a<br />

figura concreta do adulto, isto é, ao mesmo tempo de domi<strong>na</strong>ção e<br />

de desti<strong>na</strong>ção.<br />

Na grande reorganização <strong>da</strong>s relações entre <strong>loucura</strong> e razão, a<br />

família, ao fi<strong>na</strong>l do século XVIII, representa um papel decisivo — ao<br />

mesmo tempo paisagem imaginária e estrutura social real; é dela que<br />

parte, é <strong>na</strong> direção dela que se encaminha a obra de Tuke.<br />

Atribuindo-lhe o prestígio dos valores primitivos, ain<strong>da</strong> não<br />

comprometidos no social, Tuke fazia com que representasse um papel<br />

de desalie<strong>na</strong>ção; ela era, em seu mito, a antítese desse "meio" no<br />

qual o século XVIII via a origem <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. Mas ele a introduziu<br />

igualmente, de um modo bem real, no mundo asilar, onde ela surge<br />

ao mesmo tempo como ver<strong>da</strong>de e como norma de todos os<br />

relacio<strong>na</strong>mentos que podem ser instaurados entre o louco e o homem<br />

de razão. Através disso, a minori<strong>da</strong>de sob a tutela <strong>da</strong> família,<br />

condição jurídica <strong>na</strong> qual se alie<strong>na</strong>m os direitos civis do insensato,<br />

tor<strong>na</strong>-se situação psicológica onde se alie<strong>na</strong> sua liber<strong>da</strong>de concreta.<br />

To<strong>da</strong> a existência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, no mundo que agora lhe é preparado,<br />

vê-se envolvi<strong>da</strong> por aquilo que se poderia chamar, por antecipação,<br />

de "complexo parental". Os prestígios do patriarcado revivem ao<br />

redor dela <strong>na</strong> família burguesa. E esta sedimentação histórica que a<br />

psicanálise, mais tarde, trará para a luz do dia, atribuindo-lhe através<br />

de um novo mito o sentido de um destino que marcaria to<strong>da</strong> a cultura<br />

ocidental e talvez to<strong>da</strong> a civilização, enquanto foi inteiramente<br />

deposta por ela, tendo-se solidificado ape<strong>na</strong>s recentemente, nesse<br />

fim de século em que a <strong>loucura</strong> viu-se duas vezes alie<strong>na</strong><strong>da</strong> <strong>na</strong> família<br />

— pelo mito de uma desalie<strong>na</strong>ção <strong>na</strong> pureza patriarcal e por uma<br />

situação realmente alie<strong>na</strong>nte num asilo constituído sobre o modo <strong>da</strong><br />

família. Doravante, e por um período cujo termo ain<strong>da</strong> não é possível<br />

fixar, os discursos do desatino estarão indissociavelmente ligados à<br />

dialética semi-real, semi-imaginária <strong>da</strong> Família. E ali onde, em suas<br />

violências, deviam-se ler profa<strong>na</strong>ções ou blasfêmias, será necessário<br />

doravante decodificar o atentado incessante contra o Pai. Do mesmo<br />

modo, no mundo moderno, o que havia sido o grande confronto<br />

irreparável entre a razão e o desatino se tor<strong>na</strong>rá o surdo choque dos<br />

instintos contra a solidez <strong>da</strong> instituição familiar e contra seus<br />

símbolos mais arcaicos.<br />

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