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A história da loucura na idade clássica

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a não ser <strong>na</strong> forma do conhecimento.<br />

Depois que, com a Re<strong>na</strong>scença, desapareceu a experiência<br />

trágica do insano, ca<strong>da</strong> figura histórica <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> implica a<br />

simultanei<strong>da</strong>de dessas quatro formas de consciência — ao mesmo<br />

tempo o conflito obscuro entre elas e sua uni<strong>da</strong>de incessantemente<br />

desfeita. A todo momento se faz e se desfaz o equilíbrio <strong>da</strong>quilo que,<br />

<strong>na</strong> experiência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, resulta de uma consciência dialética, de<br />

uma divisão ritual, de um reconhecimento lírico e, fi<strong>na</strong>lmente, do<br />

saber. As faces sucessivas que a <strong>loucura</strong> assume no mundo moderno<br />

recebem o que existe de mais característico em seus traços <strong>da</strong><br />

proporção e <strong>da</strong>s ligações entre esses quatro elementos maiores.<br />

Nenhum deles em momento algum desaparece inteiramente, mas<br />

pode acontecer de algum dentre eles ser privilegiado, ao ponto de<br />

manter os outros numa quase-obscuri<strong>da</strong>de onde <strong>na</strong>scem as tensões e<br />

os conflitos que imperam abaixo do nível <strong>da</strong> linguagem. Pode<br />

acontecer também que se estabeleçam agrupamentos entre esta ou<br />

aquela forma <strong>da</strong> consciência, constituindo nesse caso amplos setores<br />

de experiência com sua autonomia e estrutura próprias. Todos esses<br />

movimentos desenham os traços de um devir histórico.<br />

Se se adotasse uma longa cronologia, <strong>da</strong> Re<strong>na</strong>scença aos dias de<br />

hoje, é provável que se pudesse encontrar um movimento de amplo<br />

alcance responsável por um desvio <strong>da</strong> experiência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> a partir<br />

<strong>da</strong>s formas críticas <strong>da</strong> consciência até suas formas a<strong>na</strong>líticas. O<br />

século XIV privilegiou a experiência dialética <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>: mais que<br />

qualquer outra época, essa mostrou-se sensível ao que podia haver<br />

de indefini<strong>da</strong>mente reversível entre a razão e a razão <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, e<br />

tudo o que havia de próximo, de familiar, de semelhante <strong>na</strong> presença<br />

do louco em tudo aquilo que sua existência podia fi<strong>na</strong>lmente<br />

denunciar como ilusão e que ela podia fazer explodir com sua irônica<br />

ver<strong>da</strong>de. De Brant a Erasmo, a Louise Labé, a Montaigne, a Charron,<br />

a Régnier enfim, é a mesma inquietação que se comunica, a mesma<br />

vivaci<strong>da</strong>de crítica, o mesmo consolo <strong>na</strong> acolhi<strong>da</strong> sorridente <strong>da</strong><br />

<strong>loucura</strong>. "Assim, esta razão é um estranho animal" 6 . E será ape<strong>na</strong>s a<br />

experiência médica que orde<strong>na</strong>rá seus conceitos e suas medi<strong>da</strong>s ao<br />

movimento indefinido dessa consciência.<br />

Os séculos XIX e XX, pelo contrário, fazem incidir todo o peso de<br />

6 RÉGNIER, loc. cit., v. 155.<br />

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