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A história da loucura na idade clássica

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para eles casas especiais, não para estabelecer a exclusão, mas para<br />

assegurar-lhes um tratamento: os Fugger, em Augsburgo, fun<strong>da</strong>m<br />

dois hospitais desse gênero. A ci<strong>da</strong>de de Nuremberg indica um<br />

médico que afirmava poder "die malafrantzos vertreiben" 20 . É que<br />

esse mal, diversamente <strong>da</strong> lepra, logo se tornou cousa médica,<br />

inteiramente do âmbito do médico. Em to<strong>da</strong>s as partes formulam-se<br />

tratamentos; a companhia de Saint-Côme empresta dos árabes o uso<br />

do mercúrio 21 ; no Hôtel-Dieu de Paris usa-se sobretudo a teriaga.<br />

Depois é a grande mo<strong>da</strong> do guáiaco, mais precioso que o ouro <strong>da</strong>s<br />

Américas, a acreditar em Fracastor no seu Syphilidis e em Ulrich von<br />

Hutten. Por to<strong>da</strong> parte, praticam-se as curas pelo suor. Rapi<strong>da</strong>mente<br />

a doença venérea se instala, no decorrer do século XVI, <strong>na</strong> ordem <strong>da</strong>s<br />

doenças que exigem tratamento. Sem dúvi<strong>da</strong>, ela é considera<strong>da</strong> num<br />

conjunto de juízos morais: mas essa perspectiva quase <strong>na</strong><strong>da</strong> modifica<br />

a compreensão médica <strong>da</strong> doença 22 .<br />

Fato curioso a constatar: é sob a influência do modo de<br />

inter<strong>na</strong>mento, tal como ele se constituiu no século XVII, que a doença<br />

venérea se isolou, numa certa medi<strong>da</strong>, de seu contexto médico e se<br />

integrou, ao lado <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, num espaço moral de exclusão. De fato,<br />

a ver<strong>da</strong>deira herança <strong>da</strong> lepra não é aí que deve ser busca<strong>da</strong>, mas<br />

sim num fenômeno bastante complexo, do qual a medici<strong>na</strong> demorará<br />

para se apropriar.<br />

Esse fenômeno é a <strong>loucura</strong>. Mas será necessário um longo<br />

momento de latência, quase dois séculos, para que esse novo<br />

espantalho, que sucede à lepra nos medos seculares, suscite como<br />

ela reações de divisão, de exclusão, de purificação que no entanto lhe<br />

são aparenta<strong>da</strong>s de uma maneira bem evidente. Antes de a <strong>loucura</strong><br />

ser domi<strong>na</strong><strong>da</strong>, por volta <strong>da</strong> metade do século XVII, antes que se<br />

ressuscitem, em seu favor, velhos ritos, ela tinha estado liga<strong>da</strong>,<br />

obsti<strong>na</strong><strong>da</strong>mente, a to<strong>da</strong>s as experiências maiores <strong>da</strong> Re<strong>na</strong>scença.<br />

É esta presença, e algumas de suas figuras essenciais, que é<br />

preciso agora recor<strong>da</strong>r de um modo bem rápido.<br />

Comecemos pela mais simples dessas figuras, e também a mais<br />

simbólica.<br />

Um objeto novo acaba de fazer seu aparecimento <strong>na</strong> paisagem<br />

20 Segundo R. GOLDHAHN, Spital und Arzt von Einst bis Jetzt, p. 110.<br />

21 BETHENCOURT atribui-lhe a precedência sobre qualquer outro medicamento, em<br />

seu Nouveau carême de pénitence et purgatoire d'expiation, 1527.<br />

22 O livro de Béthencourt, apesar do título, é uma rigorosa obra de medíci<strong>na</strong>.<br />

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