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A história da loucura na idade clássica

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medici<strong>na</strong> positivista do século XIX her<strong>da</strong> todo esse esforço <strong>da</strong> Auf<br />

klärung. Ela admitirá como algo já estabelecido e provado o fato de<br />

que a alie<strong>na</strong>ção do sujeito de direito pode e deve coincidir com a<br />

<strong>loucura</strong> do homem social, <strong>na</strong> uni<strong>da</strong>de de uma reali<strong>da</strong>de patológica que<br />

é ao mesmo tempo a<strong>na</strong>lisável em termos de direito e perceptível às<br />

formas mais imediatas <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de social. A doença mental, que a<br />

medici<strong>na</strong> vai atribuir-se como objeto, se constituirá lentamente como<br />

a uni<strong>da</strong>de mítica do sujeito juridicamente incapaz e do homem<br />

reconhecido como perturbador do grupo, e isto sob o efeito do<br />

pensamento político e moral do século XVII. Esta aproximação já é<br />

percebi<strong>da</strong> em seus efeitos pouco antes <strong>da</strong> Revolução, quando, em<br />

1784, Breteuil pretende fazer com que o inter<strong>na</strong>mento dos loucos seja<br />

precedido de um procedimento judiciário mais minucioso que<br />

comporta a interdição e a determi<strong>na</strong>ção <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de do sujeito<br />

como pessoa jurídica:<br />

Em relação às pessoas cuja detenção for solicita<strong>da</strong> por razões de alie<strong>na</strong>ção do<br />

espírito, a justiça e a prudência exigem (escreve o ministro aos intendentes)<br />

que os senhores proponham as ordens (do rei) ape<strong>na</strong>s quando houver uma<br />

interdição proposta pelo tribu<strong>na</strong>l 61 .<br />

O que o esforço liberal <strong>da</strong> última mo<strong>na</strong>rquia absoluta prepara<br />

será realizado pelo código civil, ao fazer <strong>da</strong> interdição a condição<br />

indispensável para todo inter<strong>na</strong>mento.<br />

O momento em que a jurisprudência <strong>da</strong> alie<strong>na</strong>ção se tor<strong>na</strong> a<br />

condição prelimi<strong>na</strong>r de todo inter<strong>na</strong>mento é também o momento em<br />

que, com Pinel, está <strong>na</strong>scendo uma psiquiatria que pela primeira vez<br />

pretende tratar o louco como um ser humano. O que Pinel e seus<br />

contemporâneos sentirão como uma descoberta ao mesmo tempo <strong>da</strong><br />

filantropia e <strong>da</strong> ciência é, no fundo, ape<strong>na</strong>s a reconciliação <strong>da</strong><br />

consciência dividi<strong>da</strong> do século XVIII. O inter<strong>na</strong>mento do homem social<br />

preparado pela interdição do sujeito jurídico significa que pela<br />

primeira vez o homem alie<strong>na</strong>do é reconhecido como incapaz e como<br />

louco; sua extravagância, de imediato percebi<strong>da</strong> pela socie<strong>da</strong>de, limita<br />

— porém sem obliterá-la — sua existência jurídica. Com isso, os dois<br />

usos <strong>da</strong> medici<strong>na</strong> são reconciliados — o que tenta definir as estruturas<br />

mais apura<strong>da</strong>s <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de, e o que ape<strong>na</strong>s<br />

61 É ver<strong>da</strong>de que Breteuil acrescenta: «A menos que as famílias não tenham<br />

realmente condição para arcar com as custas do processo de interdição. Mas,<br />

neste caso, é necessário que a denúncia seja notória e constata<strong>da</strong> através de<br />

depoimentos bem precisos».<br />

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