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A história da loucura na idade clássica

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inter<strong>na</strong>mento atinge uma ver<strong>da</strong>de excessiva. Tais projetos são<br />

domi<strong>na</strong>dos agora ape<strong>na</strong>s por uma superabundância de significações<br />

psicológicas e sociais, por todo um sistema de símbolos morais em<br />

que a <strong>loucura</strong> se vê nivela<strong>da</strong>; ela não passa então de desordem,<br />

irregulari<strong>da</strong>de, erro obscuro — um desarranjo no homem que<br />

perturba o Estado e contradiz a moral. No momento em que a<br />

socie<strong>da</strong>de burguesa percebe a inutili<strong>da</strong>de do inter<strong>na</strong>mento e deixa<br />

escapar essa uni<strong>da</strong>de de evidência que tor<strong>na</strong>va o desatino sensível à<br />

era <strong>clássica</strong>, ela se põe a sonhar com um trabalho puro — para ela,<br />

todo o lucro; para os outros, ape<strong>na</strong>s a morte e a submissão moral —<br />

onde tudo o que há de estranho no homem seria sufocado e reduzido<br />

ao silêncio.<br />

Nesses devaneios, o inter<strong>na</strong>mento se extenua. Tor<strong>na</strong>-se forma<br />

pura, instala-se com facili<strong>da</strong>de <strong>na</strong> rede <strong>da</strong>s utili<strong>da</strong>des sociais, revela-<br />

se infinitamente fecundo. Inútil trabalho, o de to<strong>da</strong>s essas<br />

elaborações míticas, que retomam, numa geometria fantástica, os<br />

temas de um inter<strong>na</strong>mento já conde<strong>na</strong>do. No entanto, purificando o<br />

espaço do inter<strong>na</strong>mento de to<strong>da</strong>s as suas contradições reais,<br />

tor<strong>na</strong>ndo-o assimilável, pelo menos no imaginário, às exigências <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de, ele tentava substituir o valor exclusivamente de exclusão<br />

por uma significação positiva. Essa região, que havia formado uma<br />

espécie de zo<strong>na</strong> negativa nos limites do Estado, procurava tor<strong>na</strong>r-se<br />

um meio cheio onde a socie<strong>da</strong>de pudesse reconhecer-se e pôr em<br />

circulação seus próprios valores. Nessa medi<strong>da</strong>, os sonhos de Brissot<br />

ou de Musquinet são cúmplices de outros projetos aos quais a<br />

serie<strong>da</strong>de de que estão revestidos, suas preocupações filantrópicas e<br />

as primeiras preocupações médicas parecem <strong>da</strong>r um sentido<br />

inteiramente oposto.<br />

Embora lhes sejam contemporâneos, esses projetos são de<br />

estilos bem diferentes. Imperava neles a abstração de um<br />

inter<strong>na</strong>mento considerado em suas formas mais gerais, sem<br />

referência ao interno — que era antes a ocasião e o material do que a<br />

razão de ser do inter<strong>na</strong>mento. Aqui, pelo contrário, eram exaltados<br />

esse rosto singular que a <strong>loucura</strong> assumiu no século XVIII à medi<strong>da</strong><br />

que o inter<strong>na</strong>mento perdia suas estruturas essenciais e aquilo que<br />

podia haver de particular nos internos. A alie<strong>na</strong>ção é aí trata<strong>da</strong> em si<br />

mesma, não tanto como um dos casos de inter<strong>na</strong>mento necessário,<br />

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