15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Bobo assume ca<strong>da</strong> vez maior importância 43 . Ele não é mais,<br />

margi<strong>na</strong>lmente, a silhueta ridícula e familiar 44 : toma lugar no centro<br />

do teatro, como o detentor <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de — desempenhando aqui o<br />

papel complementar e inverso ao que assume a <strong>loucura</strong> nos contos e<br />

sátiras. Se a <strong>loucura</strong> conduz todos a um estado de cegueira onde<br />

todos se perdem, o louco, pelo contrário, lembra a ca<strong>da</strong> um sua<br />

ver<strong>da</strong>de; <strong>na</strong> comédia em que todos enga<strong>na</strong>m aos outros e iludem a si<br />

próprios, ele é a comédia em segundo grau, o engano do engano. Ele<br />

pronuncia em sua linguagem de parvo, que não se parece com a <strong>da</strong><br />

razão, as palavras racio<strong>na</strong>is que fazem a comédia desatar no cômico:<br />

ele diz o amor para os e<strong>na</strong>morados 45 , a ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> aos jovens 46 ,<br />

a medíocre reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s coisas para os orgulhosos, os insolentes e<br />

os mentirosos 47 . As antigas festas de loucos, tão considera<strong>da</strong>s em<br />

Flandres e no Norte <strong>da</strong> Europa, não deixam de acontecer nos teatros<br />

e de organizar em crítica social e moral aquilo que podiam conter de<br />

paródia religiosa espontânea.<br />

Igualmente <strong>na</strong> literatura erudita a Loucura está em ação, no<br />

âmago mesmo <strong>da</strong> razão e <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de. É ela que embarca<br />

indiferentemente todos os homens em sua <strong>na</strong>u insensata e os desti<strong>na</strong><br />

à vocação de uma odisséia comum (Blauwe Schute de Van<br />

Oestvoren, a Narrenschiff de Brant); é dela o império maléfico que<br />

Murner conjura em sua<br />

Narrenbeschwörung; é ela que está liga<strong>da</strong> ao Amor <strong>na</strong> sátira de<br />

Corroz Contre Fol Amour ou que está em litígio com ele para saber<br />

qual dos dois vem primeiro, qual dos dois tor<strong>na</strong> o outro possível,<br />

conduzindo-o à sua vontade, como no diálogo de Louise Labé, Débat<br />

de folie et d'amour. A Loucura também tem seus jogos acadêmicos:<br />

ela é objeto de discursos, ela mesma sustenta discursos sobre si<br />

mesma; é denuncia<strong>da</strong>, ela se defende, reivindica para si mesma o<br />

estar mais próxima <strong>da</strong> felici<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de que a razão, de estar<br />

mais próxima <strong>da</strong> razão que a própria razão. Wimpfeling redige o<br />

Monopolium Philosophorum 48 e Judocus Gallus o Monopolium et<br />

43 Na Sottie de Folle Balance, quatro perso<strong>na</strong>gens são «loucos»: o fi<strong>da</strong>lgo, o<br />

mercador, o lavrador (isto é, to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de) e a própria Folle Balance.<br />

44 É ain<strong>da</strong> este o caso <strong>na</strong> Moralité nouvelle des enfants de mainte<strong>na</strong>nt ou <strong>na</strong><br />

Moralité nouvelle de Charité, onde o Louco é uma <strong>da</strong>s 12 perso<strong>na</strong>gens.<br />

45 Como <strong>na</strong> Farce de Tout Mes<strong>na</strong>ge, onde o Louco imita o médico para curar uma<br />

camareira doente por amor.<br />

46 Na Farce des cris de Paris, o Louco intervêm numa discussão entre dois jovens a<br />

fim de lhes dizer o que ê o casamento.<br />

47 O Bobo, <strong>na</strong> Farce du Gaudisseur, diz a ver<strong>da</strong>de to<strong>da</strong> vez que o Gaudisseur se<br />

vangloria.<br />

48 Heidelberg, 1480.<br />

19

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!