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A história da loucura na idade clássica

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Com Boissier de Sauvages 31 , o tema assume to<strong>da</strong> sua<br />

significação; a ordem dos botânicos tor<strong>na</strong>-se a organizadora do<br />

mundo patológico em sua totali<strong>da</strong>de, e as doenças se distribuem<br />

segundo uma ordem e um espaço que são os <strong>da</strong> própria razão. O<br />

projeto de um jardim <strong>da</strong>s espécies — tanto patológicas quanto<br />

botânicas — pertence à sabedoria <strong>da</strong> previdência divi<strong>na</strong>.<br />

Outrora, a doença era permiti<strong>da</strong> por Deus; ele a man<strong>da</strong>va<br />

mesmo aos homens a título de punição. Mas eis que agora ele<br />

organiza suas formas, divide, ele mesmo, as varie<strong>da</strong>des. Doravante<br />

haverá um Deus <strong>da</strong>s doenças, o mesmo que aquele que protege as<br />

espécies e, de acordo com a memória médica, nunca se viu morrer<br />

esse jardineiro cultivador do mal... Se é fato que do lado do homem a<br />

doença é signo de desordem, de finitude, de pecado, do lado de<br />

Deus, que as criou, isto é, do ia ,o <strong>da</strong> ver<strong>da</strong> de delas, as doenças são<br />

uma vegetação racio<strong>na</strong>l. E o pensamento médico deve <strong>da</strong>r-se por<br />

ocupação escapar a essas categorias patéticas <strong>da</strong> punição para atingir<br />

as categorias, realmente patológicas, através <strong>da</strong>s quais a doença<br />

descobre sua ver<strong>da</strong>de eter<strong>na</strong>.<br />

Estou convencido de que a razão pela qual ain<strong>da</strong> não temos uma <strong>história</strong><br />

exata <strong>da</strong>s doenças está em que a maioria dos autores consideraram-<strong>na</strong>s<br />

até aqui ape<strong>na</strong>s como efeitos ocultos e confusos de uma <strong>na</strong>tureza mal<br />

disposta e deposta de sua condição, e acreditaram perder tempo se se<br />

divertissem descrevendo-as. No entanto, o Ser Supremo não se submeteu<br />

a leis menos certas ao produzir as doenças, ou ao amadurecer os humores<br />

morbíficos, do que ao criar as plantas ou as doenças 32 .<br />

Doravante, bastará que a imagem seja segui<strong>da</strong> até o fim: a<br />

doença, <strong>na</strong> menor de suas manifestações, se verá investi<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

sabedoria divi<strong>na</strong>; ela exporá, <strong>na</strong> superfície dos fenômenos, as<br />

previsões de uma razão to<strong>da</strong>-poderosa. A doença será obra <strong>da</strong> razão,<br />

e razão em ação. Obedecerá à ordem, e a ordem estará<br />

secretamente presente como princípio organizador de ca<strong>da</strong> sintoma.<br />

O universal viverá no particular:<br />

Aquele que, por exemplo, observar atentamente a ordem, o tempo, e hora<br />

em que se iniciam o acesso de febre quartã, os fenômenos do calafrio, dos<br />

calores — resumindo: todos os sintomas que lhe são próprios — terá tanta<br />

razão em acreditar que essa doença é uma espécie quanto em acreditar<br />

que uma planta constitui uma espécie 33 .<br />

31 As Nouvelles classes des maladies <strong>da</strong>ta de 1731 ou 1733. A respeito, cf, BERG,<br />

Linné et Sauvages (Lychnos, 1956).<br />

32 SYDENHAM, cit. in SAUVAGES, toc. cit., I, pp. 124-125.<br />

33 Idem, ibidem.<br />

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